terça-feira, 13 de julho de 2010

O crack: a cocaína da elite chega à periferia

Nomes de rua: Crack, Freebase, Pedra, Rock, Base

O crack é a versão fumada da cocaína, que provê um curto, mas extremamente intenso efeito. A invenção do crack representou uma inovação tecnológica que dramaticamente aumentou a disponibilidade e o uso de cocaína de várias maneiras. O crack pode ser fumado, fato que, do ponto de vista psicofarmacológico, é uma maneira mais eficaz de administrar a droga. Como o crack é composto primariamente de ar e bicarbonato de sódio, é possível vendê-lo em pequenas unidades que contém frações de grama de cocaína pura, o que abriu o mercado a consumidores que não poderiam obter a cocaína, muito mais cara. Como a droga é extremamente viciante e o efeito do uso é demasiado curto, o crack rapidamente gera um grande número de usuários que desejam comprá-lo cada vez mais frequentemente. Os lucros associados com a venda do crack rapidamente eclipsaram os de outras drogas.

Virtualmente desconhecido antes da década de 1980, o crack se espalhou rapidamente nos EUA, partircularmente entre as comunidades negras e hispânicas (Bourgois 1996, Chitwood et al 1996, Fryer et al 2005). Nos anos 70, uma pequena porção de usuários passou a misturar a cocaína (que se fumada não possui efeito euforizante) com éter, para inalação. Esse processo, criou freebase, ou base livre de cocaína, uma droga extremamente perigosa, que causou um certo número de óbitos. O crack, surgido nos anos 80, é outra forma de cocaína fumada, produzido ao se dissolver cocaína em pó em água, com a adição de bicarbonato de sódio (mais comumente) ou amônia e calor. A cocaína e o bicarbonato de sódio formam um condensado leve que, quando seco, toma forma de “pedras” duras, passíveis de serem fumadas. O nome crack deriva do som gerado quando a substância é aquecida. Este processo aparentemente foi iniciado nas ruas decadentes de Miami. Vendido em pequenas quantidades nas ruas, o crack proporcionou um mercado lucrativo para traficantes e gangues de rua (Bourgois 1996, Jacobs 1999).

cocaina freebase


Em setembro de 1986 o então presidente americano Ronald Reagan, acompanhado da primeira dama, informou a nação, em um discurso histórico, que

“As drogas ameaçam nossa sociedade. Elas ameaçam nossos valores e minam nossas instituições. Elas estão matando nossas crianças. (...)Nosso trabalho nunca é fácil pois estes criminosos das drogas são engenhosos. Eles trabalham diariamente para tramar novas e melhores maneiras de roubar a vida de nossas crianças da mesma forma que eles fizeram ao desenvolver esta nova droga, o crack. Para cada porta que fechamos, eles abrem uma nova porta para a morte. Eles prosperam na nossa falta de vontade em agir. ”
Ronald Reagan, “Address to the Nation on the Campaign Against Drug Abuse”, 14 de Setembro de 1986.

Ao final de 1986 mais de mil histórias sobre o crack apareceram na imprensa americana (Glenn, 2006). Esta cobertura midiática foi instrumental em produzir uma consciência pública da percepção de que crack era uma epidemia. Apenas dois anos antes, um estudo do Alcohol, Drug Abuse and Mental Health Aministration (ADAMHA) praticamente não citava o crack como problemático (Glenn, 2006). O consumo de crack nos EUA cresceu rapidamente em 1985, tendo seu pico em 1989 e declinando ligeiramente desde então. O padrão de consumo naquele país concentra-se principalmente em grandes cidades, partircularmente naquelas com grandes comunidades negras e hispânicas. Na Europa, o crack é consumido e visto como droga dos pobres das grandes cidades, embora também seja consumido pelas classes médias, mas sem o aspecto de “epidemia”, como o que ocorreu nos EUA ou no Brasil.

No Brasil o crack aparece nas estatísticas do Departamento de Narcóticos da Polícia Civil de São Paulo (DENARC) pela primeira vez em 1989. Segundo Domanico (2006), as condições de exclusão sócio-econômica de diversos setores da juventude brasileira assemelhavam-se às condições de exclusão norte-americanas, o que permitiu com que o crack se espalhasse rapidamente no país. Ainda segundo esta autora, a difusão do crack nas grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo ocorreu de forma periférica, devido à atuação dos traficantes estabelecidos nestes grandes centros, que tentaram impedir a venda do crack pois acreditavam que este seria contraproducente aos seus negócios.

Efeitos físicos


Os efeitos farmacológicos do crack são essencialmente os mesmos da cocaína. Entretanto, como o crack é fumado, o início da ação é muito rápido. Os principais efeitos físicos são boca seca (xerostomia), perda de apetite, sudorese, aumento da frequência cardíaca, ardor nos olhos por irritação da conjuntiva, e cefaléias. O uso repetido de cachimbos de crack, que podem se tornar muito quentes, pode resultar em uma condição conhecida como “crack-lip”, que envolve queimaduras aos lábios e boca.

Forma de administração

O crack é frequentemente fumado, mas também pode ser injetado se dissolvido em sumo de limão ou vinagre e aquecido (pelo mesmo método de preparação da heroína).

Dependência e Abuso

A curta meia-vida da droga (entre 30 a 60 minutos) e a intensa euforia, seguida de sentimentos de depressão e anti-clímax causam poderosa dependência psicológica. Os usuários podem facilmente despender centenas em um dia de binge (uso de forma exaustiva e impulsivo). Parece haver um forte traço compulsivo para muitos comportamentos relacionados ao crack e padrões de uso e compra da substância (mesmo atitudes criminosas) tornam-se ritualizados. Muitos usuários frequentemente utilizam outras drogas (como o álcool, por exemplo) para atenuar os sintomas de abstinência do crack.

Efeitos a longo prazo

O efeito aos pulmões pode ser muito sério, e usuários de longo prazo podem adquirir enfisema. Este é causado tanto pelo fumo intenso quanto pelas substâncias utilizadas quando da preparação do crack.

Referencias:
1. Bourgois, P. 2002. In Search of Respect: Selling Crack in El Barrio. Cambridge University Press
2. Chitwood D, Rivers J, Inciardi J. 1996. The American Pipe Dream: Crack Cocaine and the Inner City. Austin: Harcourt Brace College Publishers.
3. Fryer Jr RG, Heaton PS, Levitt SD, Murphy KM. 2005. Measuring the impact of crack cocaine. NBER Working paper No. 11316, National Bureau of Economic Research. Available at http://www.nber.org/papers/w11318.pdf.
4. Jacobs B. 1999. Dealing Crack: The Social World of Streetcorner Selling. Boston: Northeastern University Press.
5. Glenn JE. The Birth of the Crack Baby and the History that “Myths” Make. Available at http://www.utmb.edu/addiction/Birth%20of%20the%20Crack%20Baby.pdf.
6. Domanico A. “Craqueiros e Cracados: Bem vindo ao Mundo dos Nóias!” Estudo sobre a implementação de estratégias de redução de danos para usuários de crack nos cinco projetos-piloto do Brasil. 2006. Tese de Doutorado apresentada à Universidade Federal da Bahia. Disponível em http://www.scribd.com/doc/7265159/Tese-Andrea.

Foto: http://lawyersusaonline.com/dcdicta/files/2007/12/crack.jpg
http://www.drunkdrivingdefense.com/images/cocaine02.jpg

A propósito:

Recebi este link pelo twitter, que leva à pagina sobre o crack do Ministério da Saúde com maiores informações sobre o crack:
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=33717&janela=1

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