sexta-feira, 30 de abril de 2010

Mescalina e peiote - o "Santo Daime" dos EUA

Colocando a casa em dia, este é mais um post que prometi a um tempo atrás e demorei a desenvolver. A ideia para este post veio após uma discussão com um leitor sobre um artigo no qual o Santo Daime era discutido. De certa forma, o peiote é o "Santo Daime" dos Estados Unidos pois o país também teve que debater o dilema liberação versus tradição ritualística/religiosa na legislação que rege seu uso.

Longe de sugerir uma solução fácil para o problema brasileiro, o post visa somente informar do uso de substâncias alucinógenas em rituais religiosos em outros países e como este se dá.
Peiote

O peiote (Lophophora williamsii ou Lophophora diffusa) é um cacto que apresenta pequenas protusões ou “botões”. Este cacto é a planta da qual a mescalina é retirada, sendo o principal ingrediente psicodélico no peiote. Diversos cacti produzem a substância: o peiote, que cresce no sudoeste dos EUA e México, o cacto São Pedro ou Wachuma (Echinopsis pachanoi, ou Trichocereus pachanoi), e o Echinopsis peruviana (ou Trichocereus peruvianus) encontrados no Peru. A mescalina também pode ser produzida sinteticamente. Uma substância branca e cristalina, o sulfato de mescalina, é a forma pura da mescalina e pode ser encontrada em cápsulas.

Origem

Os índios norte-americanos acreditavam que Peiote era um deus, ou pelo menos um mensageiro dos deuses, enviado à terra para comunicar-se diretamente com o adorador. Diz a lenda que o cacto peiote foi descoberto quando um homem havia se perdido no deserto. Faminto, ele encontrou o cacto e uma voz que emanava da planta lhe disse que deveria comê-lo. O homem recuperou a sua força e retornou à seu vilarejo, levando o presente divino a seu povo. A história de Peiote pode ser traçada por até 3 milênios: espécimes psicoativos de peiote foram recuperados de cavernas e abrigos de pedra no norte do Texas com pelo menos 3000 anos de idade. Acredita-se que a cerimônia do Peiote descende da cerimônia Calia. A calia é a semente altamente tóxica da árvore Calia secundiflora. Existem evidências de que a semente da calia (em inglês mescal bean – daí o nome “mescalina”) tenha sido utilizada por mais de 10.000 anos. Em geral, um quarto a meia semente era torrada no fogo até atingir uma coloração dourada. A semente era então consumida causando um delírium que poderia durar até três dias.

Por volta de 1500, frei Bernardino de Sahagun, um cronicista espanhol, estimava que os índios Chichimeca e Toltec usasem o peiote por pelo menos 2000 anos antes da chegada dos europeus. A perseguição ao uso do cacto começou com a conquista pelos espanhóis. Para os cristãos, o peiote era associado aos sangrentos rituais astecas e a planta foi condenada como “raiz diabolica”. Em 29 de julho de 1620 o peiote foi finalmente denunciado como ato de supertição.

Os modernos estudos farmacológicos sobre o peiote só começaramo no final da década de 1880. Em 1888, o botanista Paul Hennings publicou um relatorio sobre a química da Lophophora, cujo principal ingrediente ativo (a mescalina) foi primeiramente isolada em 1897 pelo químico alemão A. Hefter.

O uso moderno da mescalina começou em 1919, quando Ernst Spath criou a substância sinteticamente pela primeira vez em seu laboratório. A partir da década de 30, estudos sobre o peiote ou a mescalina foram praticamente abandonados até que Aldous Huxley voltou a realizar controversos experimentos com a substância em 1953. Huxley escreveu suas experiências no polêmico livro The Doors of Perception (Às portas da percepção) que causou grande interesse na substância e esteve nas bases da revolução psicodélica dos anos 60 e 70. Por volta desta época, a mescalina passou a ser utilizada em experimentos de psicose quimicamente induzida, daí a origem do antigo nome das drogas alucinógenas, psicomiméticos. A droga continuou a ser investigada no tratamento do alcoolismo, neuroses e outros transtornos mentais até a descoberta do LSD, quando foi novamente abandonada.

Ser sacudido para fora das raízes da percepção ordinária, e ser mostrado, por horas infindáveis, o mundo interior e exterior, não como eles aparecem a um animal obcecado com a sobrevivência ou um homem obcecado com palavras e noções, mas como eles são apreendidos, direta e incondicionalmente, por uma Mente à Solta (Mind at Large) – esta é a experiência de inestimável valor para todos, e em especial para o intelectual.

Aldos Huxley, The Doors of Perception, 1954.

Nos EUA, o uso de peiote é apenas aceito em cerimônias religiosas da Native American Church (ou peiotismo, uma religião dos índios norte-americanos) sendo considerado legal (Brands, 1998).

Efeitos físicos

O consumo de mescalina causa aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, dilatação da pupila, aumento da glicemia sanguínea, da temperatura corporal, diaforese (sudorese) e náuseas. Em altas doses, entretanto, a mescalina leva à quda da glicemia e o usuário pode sofrer diarréia hemorrágica e inconsciência. Doses letais causam convulsão, parada respiratória e arritmias cardíacas. A morte geralmente se dá por falência respiratória.

Forma de administração

O cacto peiote contém botões que podem ser cortados da raíz e secados. Os botões podem ser mascados ou colocados em água, para produzir um líquido alucinogênico. Os botões de peiote também podem ser moídos em um pó e depois “fumados com algum material em folhas, como a cannabis (maconha) ou tabaco” (Brands, 1998).

A mescalina é ingerida sob a forma de pó, cápsulas, comprimidos ou líquido, embora este último seja impopular. Os usuários geralmente consomem entre 300 a 500mg (aproximadamente 3 a 6 botões de peiote) e os efeitos se iniciam entre uma a duas horas, desaparecendo gradualmente 10 a 12 horas após a ingestão.

Efeitos psicológicos
  • Alucinações visuais mesmo quando de olhos fechados
  • sensação de "novos" pensamentos
  • cenários com qualidade de sonhos
  • euforia
  • experiências místicas
  • ansiedade
  • medo de morrer ou de ser aniquilido
  • medo de perder o controle ou não voltar ao estado normal de consciência
  • irracionalidade
  • dissociação temporária/destruição do ego
A mescalina não é tão potente quanto o LSD, mas causa efeitos alucinógenos semelhantes. A "viagem" da mescalina pode durar até 12 horas e, similar ao que ocorre com o LSD, pode ser "boa" ou "má". Da mesma forma que o LSD, o usuário sofre uma sensação de prejuízo da sensação e percepção, alteração da percepção temporal, desorganização do pensamento e reações psicóticas.

Native American Church ou peiotismo

Native American Church é uma organização de aspectos semicristãos, sendo a religião dominante nas reservas indígenas Navajo, nos EUA. O principal aspecto desta igreja é o uso do peiote. Devido às propriedades intoxicantes do peiote, diversos missionários e oficias de governos norte-americanos buscaram reprimir o uso da substância nas reservas indígenas, mesmo após elementos do cristianismo terem sido incorporados no peiotismo. Com início no estado de Oklahoma, em 1899, diversos estados americanos aprovaram leis para proibir seu uso. Em 1918, para garantir alguma legitimidade e proteção sob a lei americana, os peiotistas organizaram-se na Native American Church. Em um estudo publicado em 1997, Pavlik relata que as estimativas mais recentes apontam que mais de 50% da população Navajo (mais de 100.000 membros da tribo) são afiliados ao peiotismo. Diferentemente do Santo Daime, no qual aspectos religiosos do cristianismo e de religiões africanas foram incorporados no ritual de beber o chá, os Navajos apresentam filiações cristãs (seja presbiteriana, católica ou mórmom) e também participam de rituais do peiote. Eles costumam citar 2 a 3 religiões distintas em suas práticas.
A ênfase nos rituais do peiotismo, entretanto, não parece ser tanto a de "abrir a mente" ou "conectar-se com o criador" mas em rituais de cura e o cacto é visto como um instrumento de cura, seja ela física ou espiritual.

Referências:
ResearchBlogging.org
Brands B, Sproule B, Marshman J. 1998. Mescaline. Drugs & Drug Abuse (3rd edition). Pps 351-357. Addiction Research Foundation: Toronto, Ontário: Canadá.
Narconon. Mescaline.
Pavlik, S. (1997). Navajo Christianity: Historical Origins and Modern Trends Wicazo Sa Review, 12 (2) DOI: 10.2307/1409206
Fotos: http://inipi.wicca.hu/kepek/Soul3peyote.jpg

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4 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

A ciência ordinária poderia se envolver melhor, eu digo ver as coisas de dentro e por fora, e não apenas relatar, e trabalhar, com "factos" observáveis e reproduzíveis, por que essa é só a casca da realidade. Um profissional Psi talvez se encantasse muito com a libertação de associações que a mescalia propicia, e possivelmente se tornaria um místico, ao perceber que tudo que ele viu pela primeira vez sempre esteve ali, e vai continuar estando, quer enxerguem ou não.

10 de maio de 2010 às 19:50  
Anonymous Anônimo disse...

É sempre a mesma coisa: comentarios cientificos insipidos sobre os efeitos de tal ou tal substancia, tudo explicado tim tim por tim tim, mas fica sempre aquela brecha que nao quer se fechar. É a mesma coisa que falar bastante sobre sexo esperando com isso que alguem deixe de querer transar. Nao sou especialista em nada, mas o fato é esse: todos nós temos dmt (dimetiltriptamina no cérebro), portanto, todos somos psicodélicos, enteogenicos, xamanicos, astrais, iluminados,místicos ou coisa parecida.

14 de outubro de 2010 às 00:23  
Anonymous Anônimo disse...

love it.

19 de abril de 2011 às 15:44  
Anonymous Anônimo disse...

Minha dúvida é. Se é possível atingir sensações misticas através de uso de alucinógenos. E se temos no cérebro esses componentes químicos em menores e proporcionais quantidades, então nada é real? Tudo é pura alucinação?

7 de maio de 2015 às 20:29  

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