terça-feira, 13 de abril de 2010

O transtorno bipolar: uma introdução rápida II

Impacto do transtorno bipolar

O impacto do transtorno bipolar pode ser observado em vários aspectos da vida dos pacientes. Enquanto que a fase maníaca é mais aparente socialmente, a fase depressiva, com seus sintomas de tristeza persistente, parece causar maior prejuízo funcional. Merikangas et al (2007) estudou diversos pacientes com diagnóstico de bipolar (todos os diagnósticos) e notou que 87% dos que referiram episódios depressivos no ano anterior apresentaram prejuízo no desempenho (trabalho, vida social, atividades de prazer, responsabilidades de casa e familiares), quando comparados com 57% que apresentaram um episódio maníaco ou hipomaníaco no ano anterior.

Devido a ser uma doença que afeta indivíduos que estão a começar suas vidas, o transtorno acarreta prejuízos sociais, educacionais e no desenvolvimento das carreiras, o que pode explicar porque o diagnóstico está associado a maiores níveis de desemprego e piores níveis escolares quando comparado à população geral (Merikangas et al, 2007).
Em 2000, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estimava que o transtorno bipolar era a quinta causa de anos vividos com debilidades entre indivíduos de 15 a 44 anos e a nona causa de anos vividos com debilidades em indivíduos de todas as idades (OMS, 2001). Além disso, a doença é associada a taxas aumentadas de mortalidade por causas "naturais" como doenças cardiovasculares, doenças cerebro-vasculares, problemas gastrointestinais e doenças endócrinas (como o diabetes). Até 50% dos pacientes com o transtorno podem apresentar tentativas de suicídio e morte por suicídio pode chegar a 25% no início da doença (Valtonen et al, 2005).

Os pacientes com transtorno bipolar são usuários pesados dos sistemas de saúde, tanto cuidados primários quanto serviços especializados de psiquiatria. Os americanos são famosos por realizar estudos de farmacoeconomia, no qual o impacto de uma doença em específico é medido em dólares. Estes estudos envolvem os custos do tratamento diretamente (medicamentos, internações) e custos indiretos (como anos perdidos de trabalho e impostos, depredações causadas por atos antissociais, produtividade reduzida, mortalidade em excesso por suicídio, etc). Begley e colaboradores (2001) estimaram que os custos diretos e indiretos do tratamento do transtorno bipolar refratário (que não melhora com medicamentos), que tenha se iniciado em 1998 poderia ser $600.000 dólares (em 1998, mais ou menos 1.054.199,93 Reais ou 441 631.091 Euros). O custo direto do tratamento era responsável por apenas 20% desta quantia.

Metas futuras no transtorno bipolar

Como o transtorno bipolar apresenta sintomas depressivos, muitas vezes ele é confundido e diagnosticado como depressão. Outros diagnósticos equivocados nestes pacientes incluem transtornos de personalidade (borderline), TDAH, transtornos de ansiedade, etc. Infelizmente o diagnóstico equivocado do bipolar pode ter repercussões no curso da doença: Um paciente bipolar não diagnosticado está a perder anos de produtividade e o tratamento inadequado não impede as flutuações do humor. Como escrevi anteriormente no primeiro post desta série, certos pacientes que apresentam muitas fases de alterações do humor podem tornar-se cicladores rápidos, com menor tempo de remissão de sintomas, acarretando maior prejuízo e dificultando o tratamento.

Infelizmente não há provas específicas em psiquiatria para o transtorno e muitas vezes o médico diagnostica o transtorno bipolar como depressão no início da doença porque o paciente apenas apresentou fases depressivas (só posteriormente apresenta uma fase maníaca ou hipomaníaca). Este é um erro honesto. Melhores ferramentas diagnósticas são necessárias na área, mas novas opções terapêuticas também são urgentes. Por exemplo, a grande maioria dos medicamentos em oferta hoje foi aprovada para o tratamento da mania aguda e agem melhor nesta fase do que na depressiva (apesar do bipolar ter predominância de episódios depressivos). O tratamento de manutenção de longo prazo também é de certa forma limitado já que a maior parte dos estabilizadores de humor (lítio, divalproato de sódio, carbamazepina e lamotrigina) são mais eficazes em prevenir a fase maníaca do que a fase depressiva. Muitos pacientes estabilizam "abaixo" da linha de humor eutímico (humor normal), ou seja, eles estabilizam levemente depressivos, o que acarreta prejuízos funcionais e angústia e sofrimento. Esta é uma importante causa de abandono de tratamento (especialmente nos bipolares tipo II), e muitos relatam que pararam o estabilizador de humor pois queriam ter "mais energia" ou "sentir-se melhor". Além disso os medicamentos disponíveis hoje tem sérios problemas de tolerabilidade com efeitos colaterais gastrointestinais e sintomas associados ao Sistema Nervoso Central. Os antipsicóticos (utilizados para conter a agitação e os sintomas psicóticos da fase maníaca) apresentam diversos efeitos colaterais e mesmo os de nova geração apresentam diversos avisos quanto a sedação, ganho de peso e alterações metabólicas.

Referências:

ResearchBlogging.org
Merikangas KR, Akiskal HS, Angst J, Greenberg PE, Hirschfeld RM, Petukhova M, & Kessler RC (2007). Lifetime and 12-month prevalence of bipolar spectrum disorder in the National Comorbidity Survey replication. Archives of general psychiatry, 64 (5), 543-52 PMID: 17485606

OMS (2001). The World Health Report 2001: mental health: new understanding, new hope. Disponível em http://www.who.int/whr/2001/en

Valtonen, H., Suominen, K., Mantere, O., Leppämäki, S., Arvilommi, P., & Isometsä, E. (2005). Suicidal Ideation and Attempts in Bipolar I and II Disorders The Journal of Clinical Psychiatry, 66 (11), 1456-1462 DOI: 10.4088/JCP.v66n1116

Fotos:
http://www.newjerseydisabilitylaw.com/new-je2.jpg

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4 Comentários:

Blogger JLNA disse...

Olá!
sou um colega de Viseu-Portugal
Condordo na generalidade com o que foi dito, principalmente com a falta de arsenal terapeutico para a remissão clínica das fases. Desde o litio, que andamos a chover no molhado,com muitas expectativas neste ou naquele produtoe cada vez mais sentimos a dificuldade em controlar o nosso paciente.
Fiz durante 4 anos psicoeducação com doentes bipolares aplicando o metodo Vieta /Colon e aí pude constatar as inumeras comorbilidades d «espectro biplar», designaçâo de AkisKal de 1977 de gosto, pois vai mais ao encontro do polimorfimo deste sindrome enfim ..muito haveria a dizer mas não pretendo ser massador, devo dizer,que se aprende neste blog ,pelo que faço votos de longa vida.

13 de abril de 2010 às 16:46  
Blogger Vanessa disse...

Também gosto muito dos trabalhos de Akiskal e tive o prazer de vê-lo expor seus últimos trabalhos em uma palestra em Lisboa. O tratamento adequando do bipolar ainda é muito rudimentar, se compararmos com outros avanços na psiquiatria. A doença ainda é muito pouco entendida e dois ou três pacientes podem apresentar o mesmo diagnóstico sem ter os mesmos sintomas.

Obrigada pelos votos de longa vida e desejo o mesmo ao seu blogue!

Com os melhores cumprimentos

14 de abril de 2010 às 06:34  
Blogger Alexandre Magno disse...

Nunca é demais desmitificar qualquer distúrbio psiquiátrico. Parabéns

1 de maio de 2010 às 15:16  
Blogger Alexandre Magno disse...

Nunca é demais desmitificar qualquer distúrbio psiquiátrico. Parabéns

1 de maio de 2010 às 15:16  

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