terça-feira, 30 de março de 2010

Panis et circenses: O caso Nardoni

Eu havia prometido a mim mesma que não escreveria nada sobre o caso Nardoni, já que mesmo que esteja acompanhando a cobertura da imprensa, estou fora do Brasil e do redemoinho todo causado pela mídia.

E foi por isso mesmo que resolvi escrever este post. Justamente pelo fato de estar fora do país, e desta forma, livre da influência da mídia brasileira (para bem ou para mal).

Para os leitores portugueses, o caso Nardoni diz respeito ao assassinato de uma criança de 7 anos (se não me engano), alegadamente pelo pai e madrasta: Pai, madrasta, criança e bebês (filhos do casal) saíram para jantar. Na volta, em circunstâncias muito nebulosas, Isabela caiu ou foi jogada do 7º andar (se não me engano). Aparentemete a rede de proteção fora cortada e a menina estrangulada antes de ser atirada pela janela. O pai e madrasta acreditam que um estranho matou a menina enquanto eles buscavam os filhos menores na garagem do prédio. A promotoria defende que o casal agiu juntos.
O caso todo aconteceu há 2 anos e causou comoção. Voltou à mídia brasileira nos últimos dias pois o julgamento ocorreu na semana passada, aberto à imprensa e com um juíz que fez uso do twitter(!).

É aqui que falo em panis et circenses.
"Pão e circo" é uma metáfora conhecida para esmolas que os políticos utilizam para ganhar apoio popular, ao invés de desenvolver políticas fortes para o país. Entretato, é o segundo significado da expressão que me interessa aqui, a metáfora que também serve para criticar a população que abandona seu dever cívico por migalhas.
O uso moderno da expressão tornou-se um adjetivo para categorizar uma população que não mais valoriza as virtudes cívicas, e denota a trivialiade e frivolidade que definiram o Império Romano pouco antes de sua queda.... e o declínio da sociedade moderna.

Sim, porque a histeria em massa ocorrida no Brasil por conta deste caso só pode mesmo ser categorizada se entendermos este conceito. Independentemente de serem culpados ou não (não cabe a mim julgá-los ou condená-los), eles foram julgados e condenados 2 anos atrás.

A imprensa brasileira deveria saber melhor após o escândalo da Escola de Base (caso no qual donos de uma escola infantil foram acusados injustamente de abuso sexual infantil, tiveram seus bens depredados, foram presos e tiveram seus nomes arrastados na lama e no final a denúncia não tinha qualquer base). O casal Nardoni foi vilificado, seus parentes próximos ameaçados e mesmo pessoas que apenas compartilham o sobrenome/apelido Nardoni receberam telefonemas ameaçadores simplesmente por constarem na lista telefônica.

A população (ou o populacho?), associado à cobertura parcial da imprensa bradava por justiça... Será que nesta cultura de pão e circo a palavra justiça manteve seu significado intacto? O blog Jornalisticamente Falando traz o seguinte comentário:

É notório e urge dizer que ninguém pode ser condenado sem prévio processo legal devidamente realizado, garantindo-se os princípios constitucionais que norteiam o processo, como o da ampla defesa e do contraditório. Sem esse processo, voltaríamos aos velhos tribunais ad hoc (de exceção), em que julgava-se pela conveniência da sentença e não no sentido de alcançar a verdade e uma pena justa.
Quem gritou durante todos estes dias do julgamento por “Justiça” e condenou previamente o casal Nardoni, pode um dia sentir sobre si o peso da mão forte e impassível do Estado sobre suas costas, os mesmos que xingam o advogado (profissional no pleno exercício de suas atribuições constitucionais) podem desesperadamente precisar de um algum dia. O advogado não é cúmplice dos réus, é um profissional habilitado para defendê-los de arbitrariedades do Estado e garantir que lhes seja proferida a menos injusta das sentenças.
(...)
Também é condenável o espetáculo macabro criado entorno do assunto pela mídia. É preciso estabelecer regras para evitar o circo criado. Antes do julgamento, batalhões de fotógrafos e cinegrafistas cercavam acusados, advogados e envolvidos, fazendo até que a avó de Isabella acenasse para a câmera, como se fosse uma espécie de estrela de novela. É mesmo necessária esta especularização? (...) Jornalista não tem que afirmar que a pessoa A ou B é culpada, nem incitar o público. Há de se informar imparcialmente, sem afobações e sem espetacularização. A imprensa mais uma vez cometeu o erro cometido em outrora, como no caso que citei anteriormente.
"A justiça tem numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal, a balança sem a espada é a impotência do direito". – Rudolf von Jehring

Ao final do julgamento o casal foi condenado a 31 anos (para o pai) e 26 anos (a madrasta) de prisão. Porque este caso em especial causou tanta comoção? Tantas pessoas morrem todos os dias no Brasil de forma violenta, tantas crianças abusadas e assassinadas, porque os Nardoni? Talvez porque aqueles que morrem todos os dias nas favelas brasileiras, vítimas da pobreza e da violência do tráfico não ressoem na nossa empatia... afinal, eles não são como nós. Eles são pobres, vivem às margens da sociedade, são negros (e aqui o racismo e as diferenças de classe afloram)...
Já o casal Nardoni é branco, de classe média, vivia em apartamento de 3 quartos, dirigia os carros que nós dirigimos... E talvez esta "proximidade" desconfortável com alguém capaz de matar o próprio filho cause reações em nós mais sanguíneas e viscerais, numa tentativa de repelir aquela mal estar de pensar que "este poderia ter sido eu".

E aí, conforme o psiquiatra Daniel Martins de Barros, é necessário purgar este sentimento, fazer como na Idade Medieval, no qual as bruxas eram condenadas rapidamente para "limpar" a sociedade, numa fogueira, porque o fogo purificava e queimava junto com a vilã os maus fluidos que existiam no ar dos vilarejos (o mal estar simbolizado num mal ar?)

O julgamento e as reações ao caso Nardoni dizem mais sobre nós do que estamos confortáveis para admitir. E quanto mais ignorante e frívola a sociedade, maior a manifestação nas ruas por "justiça" e pela volta dos tribunais de execução... Panis et circenses, quod est demonstrandum.

Recomendo a leitura do post do psiquiatra forense Daniel Barros: Nardoni, os bruxos da vez

Fotos:
http://karenswhimsy.com/roman-gladiators.shtm
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/18/Inquisition.jpg/800px-Inquisition.jpg

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3 Comentários:

Blogger Aurelio Bulhões Pedreira de Moraes-Jornalista disse...

Grato pela menção.
Passo de novo por aqui e continuo achando seu blog sensacional.

30 de março de 2010 às 07:44  
Anonymous Priscilla disse...

Nossa prima, muito bom este seu post sobre a vida do escritor de Alice no pais das maravilhas. Eu to doidinha p ver este filme. Ainda não estreou aqui no Brasil

4 de abril de 2010 às 13:54  
Blogger Vanessa disse...

Que bom que gostaste! Fiquei feliz de ve-la por aqui. Beijocas

4 de abril de 2010 às 14:22  

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