terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Bonecas vivas

Natasha Walter é uma feminista inglesa que no final dos anos 90 fez parte do grupo de pensadores do movimento Lipstick Feminism (Feminismo de Batom) que se empenhou em desafiar os estereótipos feministas. Vem daí diversos pensadores que de certa forma viram suas idéias de poder da mulher culminar no seriado americano Sex and the City. O argumento era de que, sim, uma mulher poderia se vestir e portar como uma top model e ser uma feminista, sim, ela poderia casar-se de branco e comprar pornografia e continuar a ser feminista.

No seu novo livro, lançado este mês, Living Dolls: The Return of Sexism, Walter admite que estava enganada. Ao invés de uma geração de mulheres fortes e confiantes em sua emancipação sexual, o que temos hoje é uma nova raça de bonecas afeminadas: bonecas hipersexualizadas, que cresceram em uma dieta de roupas cor-de-rosa das princesas da Disney, que se sentem poderosas por fazer parte de modas como cursos de strip-tease e até mesmo prostituição. Seu mundo é um de promiscuidade, assédio sexual e mal gosto erótico, recheado de cirurgias plásticas, no qual aspirar a ser capa da Playboy é o objetivo máximo da carreira.


Embora Walter escreva sobre a cultura inglesa, a ressonância do outro lado do Atlântico (seja nos EUA, de onde tirou inspiração; seja no Brasil, que sofre com a cultura do culto ao corpo) é impecável.

Abaixo a transcrição de uma pequena parte de seu livro. A tradução é minha. Para ler em inglês, clique aqui

A noite começa na discoteca Mayhem no Southend (em Londres). Por volta de doze garotas, todas de shortinhos e saltos altíssimos, com bronzeados artificiais e cabelos brilhantes e alisados abrem seu caminho em direção a um grupo de homens que estão em volta de uma grande cama vazia. O trabalho deles é escolher qual delas deve entrar para a competição "Bonecas na Cama". Das centenas de mulheres selecionadas para posar nas camas por discotecas em todo o Reino Unido para esta competição, a uma seria dado um contrato para ser modelo da revista Nuts (uma publicação masculina). "Eu quero ser escolhida para deixar minha mãe orgulhosa" diz Lauren, em shorts justos e um top amarelo.

Uma mulher mais carnuda em soutian e calcinha foi uma das primeiras a retirar o soutian e mostrar seus seios para as câmeras. Conforme o desfile torna-se mais sexual, com as roupas sendo retiradas da pele jovem das adolescentes, os homens no clube começam a cantar e a se aproximar cada vez mais do palco. Muitos usam seus celulares (telemóveis) para filmar e fotografar as garotas. (...) A lista final é rapidamente apresentada - apenas as mulheres que mostraram os seios ou os fio-dentais para o público são chamadas novamente.

Como eu testemunhei por mim mesma o evento na discoteca Mayhem, qualquer um pode assistir, em qualquer clube do país, a imagens que uma geração anterior veria como degradantes para mulheres, sendo agora demonstradas como brincadeiras e até mesmo vocações.

Por mais de 200 anos feministas têm criticado as imagens artificiais de beleza feminina, que são impostas como um ideal ao qual as mulheres devem aspirar. De "A Vindication of The Rights of Woman" de Mary Wollstonecraft em 1972 a "The Beauty Mith" de Naomi Wolf em 1991, mulheres brilhantes demandam a mudança destes ideais. Entretanto, ao invés de desaparecerem, estes ideiais estão mais poderosos do que nunca. Mais ainda, por toda nossa sociedade, a imagem de perfeição feminina, a qual as mulheres são encorajadas a aspirar, são mais e mais definidas pela linha sexual.


É claro que o desejo de ser sexualmente atrativo sempre foi e sempre será um desejo natural, tanto para os homens quanto para as mulheres. Mas nesta geração, uma verta visão da sexualidade feminina tornou-se celebrada e ela é determinada pelos termos da indústria do sexo. O que isso quer dizer é que ser sexy - magra com grandes mamas em exibição - vem do fato de que a indústria do sexo saiu das margens para o centro da nossa sociedade. Isso é graças ao surgimento das modelos de revistas masculinas, ao súbito crescimento dos clubes de strip-tease nos centros das cidades, uma nova moda de dança da barra (ou pole dance), à popularidade das biografias de prostitutas, que sugerem que vender sexo é uma grande maneira de uma mulher ganhar a vida; e sobretudo, à maior onipresença da pornografia nas vidas de muitos jovens, trazida principalmente pela internet.


(...) Posar para revistas masculinas é visto por muitos que participam da indústria como um marcador não de sexismo persistente mas da confiança da nova mulher. Esta equação de poder e liberação com objetificação sexual é vista por toda parte e está a ter efeitos reais nas ambições de jovens mulheres.

Ellie é uma mulher bem educada e articulada, educada em colégios particulares e uma boa universidade, que foi criada para acreditar que poderia ser o que quisesse profissionalmente - advogada, médica, figura política.
Entretanto, ela escolheu ser atriz. Mas quando os empregos estavam difíceis e ela se encontrou financeiramente desesperada, ela tomou um atalho aos 20 anos de idade, e aceitou trabalhar em um clube de strip-tease e lapdancing em Londres. Ela não achava, a princípio, que o trabalho seria difícil. Ela havia recebido mensagens da nossa cultura de que lapdancing era bastante simples e que dava poder às mulheres.

"As pessoas dizem isso, não é?", ela disse. "Existe um mito de que as mulheres expressam sua sexualidade livremente desta forma e que pode-se ganhar muito dinheiro com isso, que nós temos o poder sobre os homens que estão pagando".

Entretanto não foi isso que ela encontrou. Ela ficou chocada ao descobrir o quão o trabalho era humiliante e degradante. No contexto do clube, as mulheres são mais bonecas do que pessoas.

"Você se parece com uma caricatura. Você escolhe um nome bem feminino, como uma boneca. Você é encorajada a parecer-se com bonecas. Não é surpresa que os homens não vejam que você é uma pessoa."


(...)

Em 2006 uma pesquisa realizada em meninas adolescentes sugeriu que mais da metade delas consideraria ser modelo de revistas masculinas. O crescimento da cultura em que tantas mulheres sentem que sua capacidade é medida pelo tamanho de suas mamas parece ter surgido do nada. (...) Muitas jovens mulheres parecem acreditar que confiança sexual é o único tipo de confiança que se deve ter e que confiança sexual só pode ser obtida se uma mulher está disposta a se conformar com a imagem pornô-soft de uma garota jovem bronzeada, depilada e de seios grandes. Se a confiança sexual pode ser obtida de outras formas ou se outros tipos de confiança são importantes são temas que esta cultura obcecada pelo sexo não se importa em discutir.
(...)Pesquisas atuais demonstram que quase três quartos das adolescentes estão insatisfeitas com sua forma corporal e mais de um terço estão em dietas. Um estudo demonstrou que mesmo entre meninas de 11 anos de idade, uma em quatro está tentando perder peso; outro mostrou que a maioria das meninas de seis anos prefeririam ser mais magras do que são.

Os sites de relacionamento formam uma parte intrínseca de quase todas as jovens e eles se definem em uma auto-imagem cuidadosamente apresentada, que frequentemente se conforma com a estética desenhada pelas imagens semi-pornográficas que elas encontram na sua cultura.

"Todas elas tiram fotos umas às outras", a mãe de uma adolescente me disse, "E são muito frequentemente de conteúdos provocativos e sexuais. Estas garotas de 11 e 12 anos de repente parecem-se com garotas de 16 anos que estão a se vender para sexo."

Se esta sexualização precoce de mulheres jovens fosse sobre sua liberação e elas estivessem no controle, nós não veríamos grandes números de mulheres que dizem se arrepender de suas primeiras experiências sexuais. Mas como o número de jovens garotas sexualmente ativas aumentou, também aumentou o número de garotas que se arrependem.

Em um estudo realizado em 2000, 80 por cento das garotas que fizeram sexo entre 13 ou 14 anos se arrependeram. Já que uma em quatro garotas fazem sexo antes dos 16 anos, isso é um bocado de arrependimentos.

Emoções e sexo estão divorciados para as jovens mulheres, que se vêem em somente em termos de seu próprio apelo sexual. Eu conversei com um grupo de adolescentes que sumarizaram a visão do sexo partilhada por jovens mulheres. "Nós estávamos a conversar que uma destas semanas, deveríamos todas sair e tentar arrumar tantos amantes quanto possível, com a maior variedade possível - idade, sexo, emprego, vida familiar..." disse Ruby.

Ao contrário de se sentir isoladas pelo seu desejo pela promiscuidade, estas garotas levam a peito a forma em que a cultura ao seu redor reflete e reforça este comportamento. Elas gostam do mundo sexualmente explícito em que vivem. Neste universo, a mulher de suceso é aquela que prioriza a perfeição física e silencia qualquer desconforto que esteja a sentir sobre isso.

Esta mulher objetificada, tão frequentemente celebrada como a mulher ou namorada do homem heróico, ao invés de heroína de sua própria vida, é a boneca viva que substituiu a mulher liberada que deveria estar a viver no século 21. E isso é uma tragédia.


Living Dolls, Natasha Walter
Custo médio £12.99, 273 páginas, pode ser adquirido na Amazon.

Fotos:
http://tvpeloespectador.blogspot.com/2009/12/filme-sobre-bruna-surfistinha-tera.html
http://veja.abril.com.br/170101/imagens/especial12.jpg
http://www.papodeempreendedor.com.br/wp-content/uploads/monalisa_peituda2.jpeg
http://www.edinburghsucks.com/wp-content/uploads/2006/04/lapDancing.jpg
http://ecx.images-amazon.com/images/I/41LTM06OuCL._SL500_AA240_.jpg

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