terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A médica como paciente


Para os que não acompanham o blog, este post diz respeito a uma epifania que tive neste momento pessoal. Estou grávida de nosso primeiro filho e vivo na Inglaterra. Uberlândia, onde cresci e me formei profissionalmente, ficou para trás ha muito tempo. Como não poderia deixar de ser, fui paciente também em na minha cidade, de colegas que foram meus professores ou meus conhecidos. Além disso, o Brasil vive um misto de sistemas de saúde, com a classe média a pagar por convênios médicos (em um modelo americano) e os mais destituídos sendo tratado pelo SUS (Sistema Único de Saúde), a exemplo das democracias européias. Todas as vezes que me vi no papel de paciente, nunca senti a impotência completa que deve ser experimentada pelos não-médicos: a vida nas mãos dos outros, não enteder os termos, entre outros. Como dispunha de plano de saúde, pode-se escolher (comprar de certa forma) um ou outro tratamento ou profissional e meu conhecimento na área sempre serviu como proteção, seja contra tratamentos desnecessários, seja como defesa egóiga ("eu ainda tinha algum poder").

Agora, do outro lado do lago (como os ingleses jocosamente chamam o Oceano Atlântico), vejo-me novamente paciente em um novo contexto. Na Inglaterra é proibido aos amigos e familiares tratarem seus conhecidos, que de qualquer forma ficam limitados a serem consultados por seus GPs (médicos de família) locais. Cada região tem seu GP e é aquele seu provedor de saúde. Além disso, embora existam alguns planos de saúde privados, 95% do país dispõe e usufrui de um plano de saúde nacionalizado, o NHS, orgulho destes ilhéus. Para assustar ainda mais um incauto brasileiro, o incentivo aqui é completamente voltado ao parto normal hospitalar ou domiciliar (a escolha da mulher) e as cesarianas apenas são desempenhadas quando há verdadeira necessidade (ao contrário do Brasil, onde mais de 85% dos partos privados - segundo estatísticas da OMS - são cesarianas).

Quando comecei o curso de medicina, tive aulas de MPC (Medicina Preventiva e Comunitária), que no segundo ano do curso nos dava as bases do SUS. Acho que para entender melhor o resto do artigo, devo explicar o que é e como foi desenvolvido o sistema de saúde brasileiro, tanto para os colegas portugueses quanto para os brasileiros, que também ignoram os fatos desta política pública. Vou começar por uma brevíssima história do NHS inglês, pois estes dois sistemas estão completamente entrelaçados na história brasileira.

O National Health Service (NHS) foi desenvolvido principalmente após a Segunda Guerra Mundial, quando o Reino Unido estava falido devido ao esforço de guerra. Assim, Winston Churchil e os conservadores perderam as eleições para o Labour Party e um conjunto de medidas que visavam o bem estar social "do berço à cova" ("cradle to grave") foram implementadas. O governo optou por um sistema nacional e não local para impedir que desigualdades entre regiões afetassem a qualidade do serviço. Também foi proposto que a porta de entrada no sistema seria o GP (General practicioner ou médico de família) que então direcionasse o tratamento às partes necessárias. Os princípios fundamentais do NHS são:

That it meet the needs of everyone (que sirva a todos)

That it be free at the point of delivery (que seja gratuito)

That it be based on clinical need, not ability to pay (que seja baseado na necessidade clínica e não na capacidade financeira (de um indivíduo)).

O SUS
Com a implementção e sucesso do NHS, modelos semelhantes proliferaram por toda Europa e em outros continentes. Em 1974, durante o regime militar no Brasil, o INAMPS foi criado para prestar atendimento médico aos que contribuíam com a previdência social (os que tinham carteira assinada). Com a abertura do regime militar, sob o general Figueiredo, ocorreu o  I Simpósio sobre Política Nacional de Saúde em 1979 e a partir de então o INAMPS foi continuamente alterado para universalizar o atendimento. A Constituição de 1988 definiu a saúde como "direito de todos e dever do Estado". Em 1993 o INAMPS foi definitivamente extinto e o SUS que já vinha sendo implementado gradualmente, assumiu as funções de saúde no país.

Como no NHS, o SUS também dispõe de princípios fundamentais que são descritos a seguir:

Universalidade  "A saúde é um direito de todos"

Integralidade A atenção à saúde inclui tanto os meios curativos quanto os preventivos; tanto os individuais quanto os coletivos. 

Eqüidade Todos devem ter igualdade de oportunidade em usar o sistema de saúde.

Participação da comunidade

Descentralização político-administrativa O SUS existe em três níveis, também chamados de esferas: nacional, estadual e municipal, cada uma com comando único e atribuições próprias. Os municípios têm assumido papel cada vez mais importante na prestação e no gerenciamento dos serviços de saúde; as transferências passaram a ser "fundo-a-fundo", ou seja, baseadas em sua população e no tipo de serviço oferecido, e não no número de atendimentos.

Hierarquização e regionalização Os serviços de saúde são divididos em níveis de complexidade; o nível primário deve ser oferecido diretamente à população, enquanto os outros devem ser utilizados apenas quando necessário.

Na realidade o SUS atende à população pobre. Indivíduos em melhores cargos buscam e dispõe de planos de assistência privados, numa semelhança ao modelo norte-americano.

No papel o SUS é muito bem definido e claro. O modelo inglês funciona lindamente. Porque o mesmo não ocorre no Brasil?

Como aluna, médica e paciente, eu experimentei os dois modelos de forma muito próxima nos últimos anos e, para que este post não fique imenso e monótono, relatarei minhas vivências no próximo para delimitar os contrastes e semelhanças e (quem sabe?) inspirar alguém a buscar soluções melhores para nosso Brasil.

Foto: http://falamedico.files.wordpress.com/2008/09/sus1.jpg

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1 Comentários:

Anonymous Barbara disse...

Oi Vanessa, obrigada pela visita la no meu blog! Eu tenho muitas opinioes sobre o NHS, mas no geral estou bem satisfeita com o atendimento que recebo aqui.

Moro em Londres e estou gravida de um menino tambem, previsto para 29 de abril, e vc? Pelo visto estamos mais ou menos na mesma fase da gravidez.

Vc esta se preparando pro parto? Eu tenho pensado muito no assunto...

Bom, se quiser pode me mandar um email, o endereco eh barbaraaxt no gmail

beijos!

20 de janeiro de 2010 às 12:58  

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