sábado, 2 de janeiro de 2010

Uma geração de covardes


Há muito que tenho observado, não sem me preocupar, o que significa "parenting" (educar) hoje em dia. Várias vezes me pego a ler o jornal ou a ver tv e tenho que exclamar diante das atitudes que são vendidas como "normais" e nada mais são do que o enfraquecer de toda uma geração (seja do ponto de vista biológico ou psicológico). Na Inglaterra esta nova geração de crianças e adolescentes que cresceu acolchoada e super-protegida pelos pais é chamada de "bubble wrap children" ou "crianças enroladas em plástico bolha". Acho que o nome certo deve ser dado e prefiro chamá-los de "geração covarde".

Vemos os sinais desta geração nos playgrounds acolchoados, que permitem que as crianças brinquem sem raspar seus joelhos. Mamães e papais abutres sobrevoam incessantemente seus pequenos enquanto eles brincam... ou não. Os pais estão, na verdade, mais presentes como treinadores (ou life coaches), ensinando seus pequenos a brincar ao invés de deixá-los experimentar por si mesmos. Poucos conseguem se acomodar nos bancos da praça no perímetro, como faziam antigamente, a deixar que seus filhos descubram por si próprios.

Ao ligar a tv vejo propagandas de gel ou dos sabonetes bactericidas, que aparecem em um terço do material escolar hoje em dia de acordo com uma pesquisa americana. Os bactericidas devem ser utilizados também em superfícies na casa, para impedir qualquer contacto com germes domésticos (benignos) que vão amadurecer o sistema imunológico dos pequenos. Asma, doença de Crohn, psoríases, lupus e um tratado médico de doenças auto-imunes podem se desenvolver em crianças super protegidas dos germes na primeira infância.
Considere o papel dos professores escolares hoje em dia. Eles passam o dia a manejar papéis com critérios, guias de saúde e segurança na escola, metas a ser atingida, livros sobre como integrar minorias da melhor forma e ainda devem tentar ser psicólogos, diagnosticando (?) crianças hiperativas. Não só sua carga aumenta a cada dia com novos papéis que devem ser inseridos no já intenso trabalho de educar o be-a-bá, mas seu trabalho não é reconhecido e toda a classe tem experimentado uma gradativa e profunda perda de poder: se antes um professor poderia mandar um aluno se calar e impor ordem e disciplina, apoiado pelos pais que prezavam autoridade, hoje em dia, estes mesmos pais são os primeiros a clamar "injustiça" quando seus pimpolhos são punidos e solicitam a cabeça do malfadado professor. Especificamente no Brasil, pesa ainda o fato de o governo ou o sistema de trabalho desvalorizar categoricamente esta importante área profissional; o que causa um dos maiores índices de absenteísmo e doenças psicológicas relacionadas ao trabalho no país.
Ainda na escola, nos playgrounds muito se investe em prevenir e punir bullys, nome dado aquelas crianças maiores fisicamente ou mais populares que caçoam das menos favorecidas. Por mais que se tente impedir, bullying é um processo natural e adaptativo que faz com que as crianças aprendam como lidar com ameaças e perseverem para atingir uma posição mais favorável na hierarquia do parquinho. Claro que excessos devem ser punidos e combatidos, mas é utopia pensar que pode-se erradicar completamente o bullying.

Admirem a infância sanitarizada, sem joelhos ralados, punições, gripes ou a ocasional nota baixa em matemática. Embora erro e tentativa sejam as mães de uma vida de sucessos, os pais exaurem-se em remover a dor ou o fracasso da equação.

Recentemente li em algum lugar (não me recordo qual) a experiência de uma mãe que tentava encontrar um jardim de infância para sua filha de 3 anos, que a deixasse brincar livremente. Praticamente todas as escolinhas infantis seguem um modelo apostilado e fechado no qual pregam que "ensinam de forma lúdica". Ora, se lermos no dicionário o significado da palavra "lúdico" temos que
lúdico (lú-di-co)
adj.
Relativo a jogo, a brinquedo; que apenas diverte ou distrai: atividade lúdica.

Ou seja: ou se é lúdico ou é ensino!

No mesmo texto, lembro-me que a mãe em questão ficou abismada quando no primeiro dia de aula, em uma reunião de pais e professores, um senhor se levantou e questionou sobre o caminho adotado pela escolinha para preparar as crianças para o mercado de trabalho (!!). Vale lembrar: as crianças em questão tinham 3 anos.

Não há dúvidas de que há um mercado de trabalho feroz no futuro dos pequenos, que faz com que os pais invistam pesadamente no futuro dos mesmos desde tenra idade. Mas retirar todo o desconforto e desapontamentos do desenvolvimento infantil enquanto se aumenta a pressão pelo sucesso é extremamente prejudicial. Com poucos desafios, as crianças crescem incapazes de forjarem suas próprias adaptações às vicissitudes da vida normal. Isso faz com que cresçam não somente aprendendo a evitar riscos, como as torna psicologicamente frágeis e cheias de ansiedade. No decorrer deste processo, elas são roubadas de sua identidade, significado e sentido de completude, sem as armas necessárias para uma tentativa real de felicidade. Esqueçe-se também da perseverança, não apenas uma virtude moral mas uma habilidade necessária para lidar com as frustrações da vida.

Sem querer, os pais estão a criar para o século 21 uma geração de covardes.

Foto: http://www.xkcd.com/674/

Marcadores: ,

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial