sábado, 21 de agosto de 2010

Parentalidade

Antes de se conceptuar parentalidade, deve-se pensar que as forças biológicas e ambientais que levam homens e mulheres a desejar ter filhos e as fantasias nascidas desse desejo podem ser encaradas como a “pré-história da vinculação”. A maternidade e a paternidade acentuam a dimensão psico-afetiva de um estado de expectativa, caracterizam-se em um ou mais aspectos da dimensão da personalidade do sujeito e há que se entender que são mediados pelos aspectos culturais, uma clivagem que acentua o afetivo para o lado da mãe e delega poder no pai (Bégoin, 2005. Do traumatismo à emoção estética)


Concepção Psicanalítica:

A parentalidade é uma das figuras específicas da relação de objeto, a que une o sujeito ao seu filho (Laplache; Pontalis, 1988) e depende de maior ou menor grau de aspectos narcísicos (relação narcísica) e anaclíticos (relação anaclítica). Tanto a sexualidade quanto a parentalidade, enquanto dimensões da identidade do sujeito se atualizam na relação com um parceiro interativo, num caso o parceiro sexual e noutro o filho – dimensão diacrônica.

Ao se analisar as competências parentais, diversos aspectos são avaliados:

• Caracterísitcas da personalidade dos pais
• A qualidade da relação entre os pais
• Características da criança – é bastante diferente criar uma criança saudável de uma criança com uma doença crônica incapacitante
• Idade, fase de desenvolvimento da criança (bebê, idade escolar, adolescência)
• Adequação e desadequação dos pais à criança em particular num contexto determinado.

Quando se avalia a parentalidade, o que se avalia realmente?

• A capacidade de amar?
• A capacidade de cuidar?
• A capacidade de proteger?
• A capacidade de cuidados continuados?

A avaliação de parentalidade indica avaliar a adequação ou inadequação do adulto cuidador relativamente à criança objeto de cuidados: A capacidade empática e de diferenciar-se do outro.

Tornar-se uma mãe, tornar-se um pai (J. Begoin, 2002)

Criar uma criança é também simultaneamente criar um pai e uma mãe. A procriação trata de fato da criação de uma relação totalmente nova de 3 pessoas entre elas e é uma situação única e excepcional que comporta enorme força potencial pela intensidade das reações emocionais que provoca, não só entre os três protagonistas mas também à sua volta, nomeadamente no meio familiar e social.

A maternalidade e paternalidade são estados psicoafetivos em evolução, que desenvolvem-se com o tempo. O caráter de mutualidade e reciprocidade das inter-relações precoces torna difícil distinguir o papel de cada um dos atores: bebê, mãe e pai. A criança tem um papel de “pai do homem”, ou seja, alguém com o poder de fazer surgir capacidades parentais nos seus dois progenitores.

A Experiência de ser mãe

É marcada pela

• História pessoal da mulher
• Qualidade da relação do casal
• Expectativaas em torno do bebê
• Qualidade da relação com familia e amigos
• Posição da mulher na sociedade
• Fatores sociais, econômicos e culturais

O desejo de ter um filho na mulher é influenciado por fatores como a identificação com a mãe, o desejo de ser completo e onipotente (desejo narcísico), o desejo de fusão e união com o outro, o desejo de se rever no filho, realização de ideais e oportunidades perdidas, o desejo de renovar velhas relações e a dupla oportunidade de substituição e separação da própria mãe.

Psicologia da Gravidez

Dois fatores são particularmente importantes na gravidez: a gravidez como crise de desenvolvimento (Deutch; Bibring; Caplan) e a gravidez como início da Ligação Mãe-Bebê (Brazelton, Cramer). A ligação mãe-bebê na gravidez age como um processo de ajustamento físico e psicológico ao feto em crescimento. Há uma intimidade psicobiológica que torna indissociáveis aspectos biológicos e psicológicos.

Na primeira fase do processo de ligação, há adaptação à notícia da gravidez, assim como ambivalência afetiva e dúvidas sobre o estado. Na segunda fase, notam-se os primeiros movimentos fetais, há reconhecimento do feto como um Ser separado da mãe e as fantasias passam a ser mais focadas no bebê (bebê perfeito versus bebê anormal). Na terceira fase há progressiva individualização do feto e a ocorrência de medos e fantasias acerca do parto.

Movimentos identificatórios da grávida

• Identificação à mãe – movimento de aproximação à própria mãe, identificação voltada ao passado
• Identificação ao bebê – identificação voltada para o futuro.

No desenrolar deste duplo processo identificatório desenvolve-se a capacidade da mulher ser mãe, ou seja, de responder às necessidades do seu bebê

Todos estes processos levam à ocorrência de 3 bebês no momento do nascimento:

• O bebê imaginário

• O feto invisível, mas real

• O recém-nascido real

O processo de gravidez e maternidade envolve a concretização de tarefas desenvolvimentais, especificamente
1. Aceitação da notícia
2. Aceitação do feto como um ser separado
3. Reavaliação e reestruturação da relação com os pais
4. Reavaliação e reestruturação da relação com o companheiro
5. Aceitação do bebê como uma pessoa separada
6. Redefinição da própria identidade (integrando a identidade materna)
7. Reavaliação e reestruturação da relação com outros filhos

Paternidade – identificações e alteridade

Reconhecimento de si e do outro na sua individualidade. A distância entre o filho ideal e o filho real pode ser mais ou menos dolorosa e pode ser colmatada pelo respeito da alteridade e do prazer da descoberta do outro, mas também e simultaneamente da descoberta de novos aspectos de si próprio. Na paternidade há ainda que se identificar os riscos da indiferenciação pai, mãe/criança (entender a criança como uma parte de si próprio). No Pré-histórico da ligação ocorre o fenômeno do “paradoxo da masculinidade” (Bell, 1984): como conciliar um primeiro movimento identificatório à mãe com o novo movimento identificatório ao pai e ao comportamento masculino.

O desejo de um bebê – ser completo/onipotente/rever-se no bebê, desejo de continuidade, transpor para o bebê ideais, oportunidades perdidas, renovar velhas relações, oportunidade de igualar-se ao pai

A gravidez – proximidade/distância entre o pai e a mãe grávida (amostras transculturais indicam que 79% dos casos pai e mãe dormem separados durante amamentação)

• A síndrome de Couvade (ou gravidez empática, na qual o pai experimenta sintomas de gravidez)
• A aproximação do pai do bebê ao próprio pai tem função protetora
• Transição da relação dual para relação triangular
• Preocupação com a saúde da grávida e feto

Parentalidade e família

O nascimento do primeiro filho marca o nascimento da família nuclear, acarretando mudanças estruturais e funcionais, com diferenciação dos sub-sistemas parental e filial. Com o nascimento de segundos filhos diferencia-se o sub-sistema fraternal. Na perspectiva da família alargada o bebê concretiza a ligação entre as duas famílias de origem e cria novos laços de parentesco, como avós, tios, primos e acarreta uma reorganização das relações entre a família nuclear e as famílias de origem. Por fim, um bebê introduz novas dimensões na relação família e sociedade.

Fotos:
http://www.wellsphere.com/parenting-article/trouble-conceiving/260294
http://www.reasonforliberty.com/ethics/parenthood-and-freedom.html

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1 Comentários:

Blogger esqueci a ana (ex-ana) disse...

Uma sociedade com menos crianças será uma sociedade mais empobrecida porque a relação com a criança(s) nos enriquece? Em alguns países ou zonas as crianças quase desapareceram do espaço público comparado com o que se passava no tempo do nossos pais(viajam em transporte individual, são menos, não frequentam espaços abertos e/ou menos seguros, etc.
Felicidades Vanessa!

21 de agosto de 2010 às 16:01  

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