segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Parabéns à RAN - 14 anos a trabalhar para a recuperação


Em primeiro lugar gostaria de parabenizar a RAN (Recuperação de Alcoólicos e Narcóticos) e sua equipa pelos 14 anos de sucesso no tratamento da toxicodependência em Portugal. Longe de fazer propaganda, o texto abaixo é para elucidar como trabalha a clínica e talvez estimular abordagens semelhantes no Brasil. Infelizmente no país, a maioria das clínicas de reabilitação são baseadas em trabalho duro (na enxada mesmo) e muita religiosidade (conversão evangélica). Não quero dizer que este tipo de abordagem não funciona, mas que alternativas embasadas teoricamente, mesmo que privadas, como no caso da RAN, são sempre bem vindas.

O texto abaixo é um resumo de um artigo meu publicado na Psychiatry Online. As fotos da clínica foram tiradas pela equipa.

Em 2005, após terminar minha residência médica em Uberlândia – MG, recebi uma proposta de trabalho em Portugal e a oportunidade de experienciar outras formas de abordar a toxicodependência. Além da vivência em outras abordagens (políticas, sociais e culturais), o trabalho que desenvolvi no país por 3 anos foi baseado em heroinômanos, uma dependência química que, por enquanto, é praticamente inexistente no Brasil.


O convite que me foi oferecido veio de uma comunidade terapêutica privada, na cidade de Vila Real, em Trás-os-Montes. A clínica obedece o Modelo Minnesota de tratamento da toxicodependência, ainda pouco conhecido no Brasil. Este modelo varia de instituição a instituição, mas todos partilham os princípios fundamentais do programa 12 Passos dos Alcoólicos Anônimos (AA), criado em 1948 (Bodin, 2006). Na década de 1960, o modelo foi expandido para englobar também usuários de outras drogas (Spicer, 1993). O modelo foi trazido a Portugal em 1987, pela Unidade de Tratamento Intensivo de Toxicodependências e Alcoolismo (UTITA), do Serviço de Utilização Comum das Forças Armadas Portuguesas e daí se expandiu, com diversos centros de tratamento espalhados pelo país. Com base em seu conteúdo, os 12 passos podem ser agrupados em passos decisivos, passos de ação e passos de manutenção (Makela et al., 1996). Os passos decisivos (1-3) envolvem o reconhecimento da impotência perante as drogas e a necessidade de ajuda, e a decisão de se colocar nas mãos de um Deus pessoal. Os passos de ação (4-9) envolvem escrever e compartilhar um inventório moral, buscar a resolução de defeitos de caráter através de um Deus pessoal e consertar o mal feito a terceiros. Os passos de manutenção (10-12) são de continuado auto-exame e correção, de aprofundamento na relação com o Deus pessoal através de preces e meditação, e de levar a mensagem do programa a outros usuários de drogas.

A estrutura e conteúdo do tratamento

O programa da comunidade terapêutica constituí-se em 84 dias de tratamento inicial, em setting residencial, seguido de 6 a 24 meses de acompanhamento pós-alta. Formada há 15 anos, a comunidade terapêutica é a base de toda estrutura, com capacidade para 33 clientes. A equipe inclui clínico geral, psiquiatra, enfermeiro e conselheiros, sendo os últimos toxicodependentes recuperados através do AA ou NA. Baseado nos princípios do AA/NA, o grupo terapêutico é considerado a principal arma terapêutica, fornecendo um local para identificação com outros em situação semelhante. Sessões em grupo podem tomar a forma de grupos para solução de problemas, direcionados a problemas pessoais específicos, ou sessões de confrontação, direcionadas a “destruir a negação” do paciente. Ensaios sobre a “História de Vida” e outras consequências negativas do uso de drogas são relatados na terapia de grupo. Outros tipos de grupos incluem grupos diários de leitura, nos quais os pacientes fazem reflecções ou meditações sobre a literatura do NA ou AA; palestras diárias sobre tópicos relativos aos programas e tradições do NA, desde a natureza da dependência química, conceptualizada pelo modelo de doença, à consequências médicas, psicológicas e sociais do uso de substâncias. Programas familiares são incluídos, às quartas-feiras, sob a premissa de que a dependência química é uma doença que afeta negativamente todos os membros do núcleo familiar. Finalmente, atividades físicas e passeios aos fins-de-semana são oferecidos à todos os internos. O esquema de tratamento diário geralmente contém quase todos esses elementos e, em consequência, é altamente estruturado. O acompanhamento pós-alta pode incluir atividades individuais regulares, aconselhamento em grupos ou famílias e a presença em reuniões do AA ou NA é mandatória. Alguns pacientes que apresentam problemas de inserção social, história de diversas recaídas ou comorbidades psiquiátricas são inseridos em programas especiais no pós-alta (half-way house). O programa half-way ocorre em regime residencial, na comunidade, sendo geralmente uma casa ou apartamento alugados, onde clientes dividem o espaço para se manter abstinentes e em sociedade. Este regime visa a responsabilização e autonomia do indivíduo, com apoio psicossocial estruturado.

O papel do psiquiatra

Neste modelo, a base do tratamento é a abstinência completa e o foco é a mudança do estilo de vida. Como a manutenção do tratamento depende de adequada socialização, o psiquiatra colabora no sentido de ajudar definir o caminho da recuperação. A crença metodológica de que a condição de suscetibilidade à toxicodepedência existe anteriormente ao primeiro uso de drogas e a visão de que o utilizador de drogas é cronicamente dependente, apesar de suas tentativas de abandonar o vício, permeiam o trabalho neste tipo de instituição. O papel do psiquiatra consite, no primeiro momento, em definir o tratamento de desabituação da droga principal: no caso da heroína, 14 dias de substitutos opióides em dose decrescente, acompanhados de benzodiazepinas e bloqueadores α-adrenérgicos. Quanto ao grupo na sua totalidade, em fornecer educação sobre as drogas e suas consequências e, no que tange ao cliente, investigar e atuar em comorbidades que possam comprometer o sucesso terapêutico.
Vila Real vista da clínica

Entrada da clínica
Sala de convívio dos utentes
Sala preparada para terapia e sessões
Sala de espera do gabinete médico
Gabinete médico (deu muitas saudades postar esta foto em especial!!)

Para mais informações sobre a clínica, clique no logo no início deste post ou aqui (link que leva à homepage da clínica).

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1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Hey, I am checking this blog using the phone and this appears to be kind of odd. Thought you'd wish to know. This is a great write-up nevertheless, did not mess that up.

- David

27 de janeiro de 2011 às 09:40  

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