quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

La Hystérie Époque continua

Como espalhar o pânico pela internet:


Hoje acordei às 5 da manha (o bebê adora mexer de madrugada e não consigo dormir com esta movimentação toda) a pensar naquele filme do Robbin Williams, "Sociedade dos Poetas Mortos" (Dead Poets Society). Uma cena específica vinha à minha cabeça: aquela em que ele sobe na mesa para explicar aos alunos que de vez em quando, um outro olhar sobre o mesmo assunto ajuda a elucidar problemas (ou algo do gênero).
Um outro olhar é o que mais tenho feito nos últimos 5 anos desde que deixei o Brasil: olhar manifestações psiquiátricas em outras culturas, ver diferentes modos de pensar e experienciar. Por exemplo, quando trabalhei no Brasil com psicóticos, a grande maioria dos pacientes apresentava delírios místicos, justificados seja com base no espiritismo (espíritos encorporados) ou na religiosidade (Deus ou o diabo falavam com eles). Desde que passei a viver na Europa, delírios místicos são raras manifestações, vendo-se na prática clínica muito, mas muito mais, manifestações paranóides\persecutórias. Faz sentido pensar que isso possa se dever ao alto nível de escolaridade no continente europeu, com baixas taxas de analfabetismo e maior acessabilidade à informação, enquanto no Brasil, pouca escolaridade e um mix extremo de diferentes cultos e religiões (africanas, cristianismo, espiritismo) manifeste-se no subconsciente dos pacientes. Afinal, o paciente, seja de qual parte do mundo for e tenha a escolaridade que tiver, busca justificar o fenômeno único e alterador que é o surto psicótico.
Da mesma forma que vemos a manifestação cultural no indivíduo, vê-se na capacidade de histeria coletiva. Ja tinha escrito um post sobre o assunto, no qual acredito que andamos a criar muita tempestade em copo d´água, seja em questões do meio-ambiente ou em questões sociais.
A semana que passou trouxe mais combustível para o incêndio mental que anda a acontecer:

Na Europa, a discussão sobre o vírus da Gripe Suína continua. Agora, denúncias de que pacientes que NÃO tinham a gripe suína morreram ou sofreram graves complicações devido à diagnósticos errados tem povoado os jornais. Na verdade, que isso viesse a acontecer era de se esperar. O sistema implementado pelo governo inglês estava coberto de "soft spots" nos quais erros eram uma questão de tempo.
Para começar, o indivíduo que suspeita estar a sofrer da gripe deve ligar para um "hot line", na qual é atendido por um funcionário (não qualificado) de um Call Center, que segue um menu pré-programado de perguntas do tipo "você está com febre?" e "Tens dor de cabeça?". No caso de responder sim, a funcionária indica que o malfadado paciente não deve sair de casa e envia um técnico de saúde ou médico de família para consultá-lo. Relatos nos jornais mostram que os médicos que tem feito a visita domiciliar evitam chegar perto dos doentes, com medo de contágio. Estetoscópio no peito é raro. Tamiflu foi prescrito desnecessariamente para 800.000 pessoas (!!!!). Como o doente é desaconselhado a visitar os setores de emergência, complicações são revistas em casa, adiando mais e mais um correto diagnóstico de pneumonia e outras doenças.

No caso do meio ambiente, climate change e global warming não saem da televisão. Mais perverso do que impor condições castrantes à países que finalmente e merecidamente tem-se desenvolvido (Índia e Brasil), uma forma mais perversa de segregação aparece no horizonte da discussão ecológica: A de que devemos parar de comer carne de vaca. Já há tempos ouço com espanto entrevistados na televisão britânica a dizer que vacas são agora as psicóticas assassinas do meio ambiente e que vegetarianismo é o futuro. Enquanto países ricos e indivíduos com dinheiro suficiente para escolher suas modas (seja comida macrobiótica ou vegetarianismo) indulgiam em discutir este assunto, não pensava muito sobre as consequências de tal debate. Na última semana, entretanto, o debate tomou um rumo perverso. Agora os eco querem impedir que países em desenvolvimento (especialmente na África) que passaram a dispor de bens e meios para o consumo de carne bovina evitem esse adendo altamente protéico e nutritivo à suas dietas esquálidas (África, lembram?) devido a possível impacto ao meio ambiente.
Sei que discutir políticas ecológicas num blog dedicado à psiquiatria em plena semana de debates acirrados na Dinamarca parece querer jogar combustível no fogo, mas isso soa-me errado! Pensem bem, impedir que africanos tenham acesso a carne bovina (num continente há tantos séculos devastado pela fome generalizada) devido ao um impacto que pode ser, talvez, quem saiba, ainda não provado sobre o meio ambiente é, a meu ver, desumano.


Para finalizar, voltando à introdução sobre como a cultura faz como que apresentemos manifestações diferentes de medo, paixões e histeria: enquanto na Europa o assunto da hora gira em torno de casamentos homossexuais, gripe suína e ecologia, no Brasil há pânico na Blogosfera e na comunidade da internet devido a um improvável fim do mundo em 2012. Reportagens sobre o assunto proliferam na televisão brasileira. Gurus enriquecem desavergonhadamente, aproveitando-se da onda de medo que se instalou no país.
Caros patrícios, 2012 é um filme de ficção, um produto da fantasia de um redator, trazido à realidade das telas do cinema por um diretor (realizador) e atores. Nada mais que isso. O fim do mundo já vem sido pregado há mais de 2000 anos, desde que Jesus caminhou pela terra (para os Cristãos) e possivelmente em muitas outras datas diferentes para outras religiões. Francamente, tenham bom senso! Com tantos assuntos mais sérios a discutir, como problemas na política e na economia brasileira (esses sempre presentes e necessitando de boa avaliação), vejo sites de igrejas, projetos de lei e outros a tentar "lucrar" com a histeria geral!

Francamente. Se ando espantada com a capacidade da população de hoje de se alarmar por pouco, o Brasil ainda consegue surpreender, por ter uma população que se alarma por nada.

Fotos:
 http://1.bp.blogspot.com/_srKLQ9PUso4/Sfhq9BjWTYI/AAAAAAAAAiI/k_PMPoa-lw0/s1600-h/swine_flu.png
http://www.imdb.com/media/rm879921408/tt1190080

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2 Comentários:

Blogger esqueci a ana (ex-ana) disse...

Olá! Boas interrogações e pistas.A primeira em relação às diferentes visões e vozes dependendo da cultura merecia muita investigação.Será que no caso das doenças do foro psicológico podem existir 'variantes culturalmente induzidas'? Tenho pensado nisso em relação à anorexia nervosa e choco-me quando é apresentada como uma doença das socieades ocidentais classe média e alta. Creio que já li no teu blogue que pode afectar individuos de diferentes culturas sociedades e estrattos sociais.
O filme em Portugal chamou-se o Clube dos Poetas Mortos.

16 de dezembro de 2009 às 14:09  
Blogger Gallucci-Neto disse...

Estetoscópio no peito é raro em qualquer lugar hj em dia...

Ótimo post!!

24 de abril de 2010 às 09:24  

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