terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Crianças Troféu

Hoje pensei em tirar o dia de folga do teclado e do blog para cuidar das compras de Natal, mas é difícil, especialmente porque sempre há um ou outro drama se desenvolvendo na sociedade que me puxa de volta ao computador.
Eu me pergunto porque tais dramas acontecem. Pode ser porque não mais vivemos numa sociedade que vive a exaustão do trabalho honesto, derivado do efeito físico de se trabalhar uma jornada árdua para viver. Pode ser a cultura da celebridade, da fama a todo custo e do dinheiro fácil. Pode ser que eu esteja maluca.

Sempre existiu uma classe elitista que vive do ócio: se acompanharmos as tendências da moda na aparência e nível de bronzeamento humanos é fácil entender isso. Explico: há muito tempo atrás, estava na moda ser branco, quanto mais alvo melhor. A classe elitista jamais trabalhava no campo, trabalho delegado aos servos que laboriavam dia após dia nas plantações. Desta forma, para se diferenciar, um nobre jamais se expunha ao sol (esse ser maligno) e daí a história do "sangue azul". Estas pessoas eram tão brancas que se podia ver o contraste de suas veias na pele. Esta tendência continuou até o início do século passado, quando a revolução industrial e dos processos colocou todo mundo para dentro dos prédios e uniformizou a cor da pele.

Em meados dos anos 70, uma nova moda surge e persiste até hoje, muitas vezes disfarçada de "pregação da boa forma". É a moda de ser extremamente torneado e ter o corpo bronzeado no último grau. Apenas aqueles que dispõe de dinheiro suficiente no banco podem ter o corpo "da moda", uma mistura de Victoria Beckham e Barbie. Haja dinheiro para cirurgias plásticas, estilistas, maquiadores, esteticistas e toda uma hierarquia de profissões que surgem para satisfazer o capricho desta classe. Haja ócio para permitir o tempo necessário para se dedicar a tantas "tarefas".

Mas como no caso da tecnologia, o tempo uniformiza muita coisa e (infelizmente) nos últimos 10 anos as camas de bronzeamento e os personal trainners chegaram ao alcance da classe média, e mais uma vez é necessário algo para diferenciar quem pode, de quem apenas deseja poder um dia.

Neste novo século, novas tendências para demonstrar poder têm-se revelado. A crueldade agora não é submeter seu próprio corpo a inúmeros procedimentos numa luta desigual contra o tempo. Isso já é hours concours. A tendência agora é exercer poder através dos filhos.

Suri Cruise

Já tinha escrito algo sobre o assunto no post Gravidorexia e uma reportagem do Daily Mail hoje traz mais luz ao assunto.

Nela, o governo britânico declara em um inquérito que pais de classe média estão a criar uma geração de "crianças troféu" (trophy children) após serem bombardeados por propagandas de bens e objetos de designer.

As crianças troféu não são novidade. Como no post anterior, no qual comparo bebês ao novo acessório da moda, crianças que se vestem como adultos com guarda roupas na casa dos 2 milhões de dólares aos 3 anos de idade vem pestilando a mídia nos últimos anos. São crianças expostas desavergonhadamente pelos pais-celebridades, que usam sapatinhos Gucci desde bebês e vestem Ralph Lauren para brincar na grama.
A moda agora pesa nos bolsos da classe média. Segundo o jornal, famílias gastam em média 194.000 libras em cada filho até a idade dos 21 anos (a média era 100.000 libras até dois ou três anos atrás) por sucumbirem ao marketing sofisticado e ao poder de irritar dos pequenos.

Crianças agora são os alvos de uma crescente campanha de marketing para idades cada vez mais jovens. Muitas delas com conteúdos extremamente inapropriados. Para quem não se lembra, veja a campanha de cuecas infantis da Calvin Klein que há uns dois anos atrás criou intensa polêmica por sexualizar os pequeninos.


O inquérito termina a dizer que não se sabe ainda os efeitos de tal comportamento na saúde mental das crianças e adolescentes.
"É importante notar que crianças podem servir como veículos para o consumo parental, e particularmente para a demonstração de bens de alto poder aquisitivo, muito antes de poderem articular seus próprios desejos ou necessidades", relata o Secretário para Asssuntos Infantis Ed Balls.

Ainda segundo o artigo, pesquisa em sociedades ricas mostra o fenômeno das "crianças troféu" e o "montante considerável que é gasto em carrinhos de bebê de alta tecnologia, roupas de bebê de designer e equipamentos para brincadeiras por pais afluentes (e até mesmo avós)".

Acredito que o fenômeno começa mesmo muito antes de a criança nascer. Como estou grávida, tenho visitado diversos sites e lojas direcionados a extrair o último tostão de futuras mamães embasbacadas pela gravidez. Uma loja específica em Uberlândia, minha cidade no Brasil, chega a vender protetores de berço (que são desaconselhados para bebês pois podem causar sufocamento e Síndrome da Morte Súbita do Recém-Nascido) pela admirável quantia de 2000 reais. O leitor europeu pode pensar que a quantia é pouco em euros (400 euros) mas na verdade, quando se estabelece qualidade de vida e poder aquisitivo, 2000 reais equivalem a 2000 euros em Portugal ou 2000 libras na Inglaterra.

Resta-me expressar meu espanto neste blog e aguardar o próximo drama...

Fotos:
Suri Cruise de salto alto, leggings e batom. http://i.dailymail.co.uk/i/pix/2009/11/19/article-1229042-0742CB46000005DC-565_468x788.jpg
Campanha da Calvin Klein banida por causar furor ao sexualizar crianças http://www.media-awareness.ca/english/resources/educational/handouts/ethics/calvin_klein_case_study.cfm

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1 Comentários:

Blogger esqueci a ana (ex-ana) disse...

Partilho do espanto.
E num terreno mais imaterial, existe notícia de casos que nos EUA a 'carreira' inicia-se ainda antes da escola básica. Uma fileira 'dos melhores infantários', 'das melhores escolas básicas' etc. até à universidade. Qual o efeito desses percursos programados impostos ao bébé, criança, jovem?
às vezes resta-nos manifestar publicamente o espanto e procurar que dentro de portas seja diferente.

15 de dezembro de 2009 às 16:38  

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