Modelos explicativos de saúde mental no âmbito da antropologia
A etnopsiquiatria clássica admite que a normalidade pode ser equivalente ao comportamento médio dos indivíduos (Devereux, 1971). Para Devereux, a chave da saúde mental será justamente a capacidade de ajustamento às transformações.
Arthur Kleinman defende que categorias diagnósticas no Ocidente devem ser consideradas como modelos explanatórios específicos para o contexto ocidental (e só ali). Há uma necessidade de compreender os significados locais e os padrões de comportamento associados. Todas as sociedades têm sistemas explicativos (oficial, informal e popular) e instituições de assistência. Estes sistemas de assistência incluem crenças, tradições, atores e estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença mental.
Kleinman vai mais além e estabelece uma diferença entre doença (sickness), patologia (disease) e enfermidade (illness).
Patologia – alterações ou disfunções de processos biológicos
Enfermidade: incorpora a experiência e a percepção individual relativa aos problemas da patologia, reação social à enfermidade e processos de significação da doença. É condicionada por fatores culturais que governam a percepção, explicação e a valorização da experiência do desconforto, processo imbuído em complexos fatores familiares, sociais e culturais.
Para Kleinman, a saúde, a enfermidade e o cuidado dão partes de um sistema cultural e devem ser compreendidos como um todo. Uma das razões pelas quais diferentes processos de cura persistem numa mesma sociedade reside o fato destes agirem nas diferentes dimensões da doença (Lembre-se de como a AIDS;SIDA é encarada na África sub-sahariana). É preciso considerar modelos capazes de conceber a saúde e a enfermidade como resultado da interação complexa de múltiplos fatores biológicos, psicológicos e sociológicos com uma terminologia não limitada à biomedicina.
A antropologia em saúde mental aponta a necessidade de recorrer a métodos interdisciplinares, trabalhando simultaneamente com dados etnográficos, clínicos, epidemiológicos, históricos, sociais, políticos, econômicos, tecnológicos e psicológicos.
Estudos posteriores de Byron Good e Mary-Jo Good postularam que a fronteira entre o normal e o patológico é estabelecida pela cultura, existindo sempre uma perspectiva moral. A antropologia da saúde apresenta umaalternativa para abordar a experiência da enfermidade nas diferentes culturas: abordar a fenomenologia dessa experiência, os modos pelos quais elas são narradas e os rituais empregados para reconstruir o mundo que o sofrimento destrói.
Doença e saúde não são entidades em si, mas um produto da interacção sintetizada de múltiplos significados. Estes autores criticam a racionalidade médica ocidental e propõem um “modelo hermenêutico cultural para a prática clínica". Neste modelo, a interpretação dos sintomas enquanto manifestação da "realidade biológica" subjacente, é característica da racionalidade clínica e é fundamentada epistemologicamente numa teoria positivita da linguagem (Good e Good, 1980, p. 171). Nessa perspectiva, o sentido emerge da associação entre um elemento linguístico e um objecto real existente no mundo, inserindo-se a cultura nesse modelo como um mero elemento de distorção sistemática das manifestações sintomatológicas.
A realidade clínica é o produto de uma construção que se dá através de um processo de tradução entre diferentes sistemas de significado intrínsecos aos diversos modelos explanatórios de saúde-doença. O objecto da atenção na clínica é a enfermidade, que se expressa através de sintomas dotados de “um sentido” - mudanças de atitude clínica no sentido da compreensão, através da exploração da relação dialéctica existente entre o sintoma (texto) e a rede semântica (contexto).
Para Young (1980), o conceito de doença deve incorporar o processo de atribuição de significados socialmente reconhecidos a signos de comportamentos desviantes e sinais biológicos, transformando-os em resultados (outcomes) socialmente significantes.
…"sickness is a process for socializing disease and illness " ("a doença é um processo de socialização da patologia e da enfermidade" - Young, 1982, p. 270).
Esse processo de socialização da patologia ou da enfermidade — ou, melhor ainda, de construção da doença —dá-se, em parte, no interior e através dos sistemas médicos. Na atividade clínica é fundamental a relação entre o indivíduo e o contexto cultural no qual se constrói a experiência de doença (Good e Good, 1980, p. 179).
Young (1982): a doença não é um termo neutro; compreende um processo através do qual signos biológicos e comportamentais são significados socialmente como sintomas.
Um conjunto de signos pode designar diferentes enfermidades e práticas terapêuticas com significação social. A depender da posição socioeconômica do doente, a mesma patologia pode implicar diferentes enfermidades, doença e processos de cura.
Como proposta geral, Young (1982) advoga uma antropologia da doença (anthropology of sickness) fundada nos conceitos-chave de cura, enfermidade, eficácia, modelo explanatório e rede semântica.
Pertinência
Aumento dos processos migratórios
Multiplicação da violência e conflitos sociais
Número crescente de profissionais provenientes de diferentes contextos culturais
Número crescente de profissionais que trabalham com pacientes de diferentes contextos culturais
Dados epidemiológicos
Oferta crescente de estratégias terapêuticas
“A cultura orienta o pensamento, a ação e a expressão da identidade” – Ginger e Davidhizar, 1999
Marcadores: psiquiatria transcultural e antropologia
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