Receita para criar psicopatas III
Como escrevi anteriormente em "Receita para criar psicopatas", este post é sobre o desenvolvimento de um crime brutal e todas as oportunidades perdidas para intervenção. Antes de entrar no mérito do crime, vou rapidamente dar uma passada pela teoria psicanalítica da psicopatia.
Muitos já torceram o nariz ao ler só o primeiro parágrafo. Explico: a teoria psicanalítica já teve seu lugar na Psiquiatria, mas como não tem validação científica (i.e., não existe um experimento que prove/disprove suas teorias pois elas são de certa forma únicas e pessoais e hoje vivemos a psiquiatria da generalização, da estatística das massas) ela tem sido progressivamente deixada de lado. Longe de levantar a bandeira de que toda a teoria psicanalítica é válida em todas as situações, acredito que é um instrumento afiado do arsenal psiquiátrico já que fornece hipóteses e teorias sobre o desenvolvimento humano.
Acredito que quase todo mundo pelo menos ouviu falar do Complexo de Édipo. De forma muito, mas muito simplista, vou explicar: O Complexo de Édipo ocorre mais ou menos aos 5 anos de idade (seja para meninos ou meninas, mas vou falar sobre os meninos pois é mais fácil de entender). Quando o bebê nasce, mãe e bebê se tornam um binômio, praticamente inseparáveis e o pai fica meio de lado (já notaram que todas as visitas são para mãe e bebê, todos os presentes?). Esta situação perdura até mais ou menos os 5 anos de idade da criança quando o pai cansa deste amor platônico do menino pela mãe e finalmente diz: "Chega! Tua cama é aquela, você não dorme aqui e a mulher é minha e não sua!" (Claro que em sentido figurado). O papel do pai é extremamente importante no Édipo pois ele é o portador da Lei, ou seja: ele traz a censura, o que é certo e errado e regras para a criança seguir.
Se tudo correr bem, a criança entende que o pai é maior que ela e teme pela sua integridade, obedecendo-o e indo para sua cama, resolvendo seu amor pela mãe e crescendo de forma saudável. Esse é o resultado neurótico, o resultado esperado do conflito edipiano (que acontece para a grande maioria de nós). Segundo as teorias psicanalíticas, pacientes psicóticos nem mesmo chegam a esta etapa e vivem em um estado de fusão com a mãe (o binômio nunca foi quebrado) e daí sua dificuldade em estabelecer sua identidade e limites.
Mas o que me interessa aqui hoje nesta teoria é a formação do psicopata:
Na teoria psicanalítica, o psicopata também passa pelo complexo de Édipo. Ele também quer a mãe só para si e nutre amor por ela (como nos outros casos). O pai chega então para trazer a lei: "vá para a tua cama, etc, etc.". A criança entende que o pai é a lei, reconhece a existência da lei e o obedece. Até aqui tudo bem. Entretanto, o psicopata tem uma "mãe sedutora", que assim que o pai vira as costas vai até o quarto da criança e a busca de volta a sua cama a dizer "o pai saiu, não está em casa... o que ele não vê não lhe magoa" (claro que tudo aqui em sentido figurado!). Ou seja: na formação desta criança ela aprende que existe a lei, aprende que existem represálias se a lei for descumprida, mas aprende também que existem recompensas pelo descumprimento da lei, que ela pode fazer o que quiser quando o pai (Lei/sociedade) não estiver olhando.
E isso é muito importante: um psicopata não é um psicótico que obedece cegamente às alucinações e mata alguém porque acredita cegamente no que as alucinações lhes dizem. Um psicopata é uma pessoa aparentemente normal, que sabe o que é certo e errado mas sabe que o descumprimento das leis leva a gratificações. Uma pessoa de base neurótica (a maioria de nós), se faz algo de errado, não dorme à noite. Pode ser que durma no começo, mas em 20 anos a culpa chega e ou ela encontra religião, ou muda para Índia para ser Hindu ou desenvolve alguns transtornos mentais, etc... Um psicopata não tem culpa. Após cometer os crimes mais atrozes, ele dorme perfeitamente feliz porque a culpa, que é aprendida no Complexo de Édipo (e daí a importância do pai) foi lhe negada. E sem culpa, as leis de nada valhem.
Não pense que um psicopata é apenas um serial killer. Existem diversos graus de psicopatia e muito provavelmente você conhece ou trabalha com um. Os graus mais leves vemos em empresas, por exemplo, nas quais um funcionário faz o que for possível para subir na vida, pise em quem pisar, cause as demissões quer for para atingir seus objetivos. Os graus mais severos conhecemos pelos filmes de Hollywood.
O que quero que o leitor entenda, é que isso tudo são TEORIAS e não verdades absolutas. Já há muito que a psiquiatria abandonou a velha noção de que tudo são culpas dos pais. Esta explicação é uma alegoria para que o leitor identifique os passos de negação e punição da história que vou descrever a seguir (e também possa entender melhor o post "Receita para criar psicopatas I")
O assassinato de James Bulger
Os leitores mais velhos provavelmente se lembrarão deste crime, pois lembro de tê-lo visto no Jornal Nacional em 1993. O assassinato de James Bulger voltou à midia inglesa recentemente e encontro paralelos com outro crime brasileiro que descreverei na conclusão.
James Bulger era um menino inglês de 2 anos que estava com sua mãe em um shopping center e desapareceu em 12 de novembro de 1993. Denise, sua mãe, notou que James desaparecera de dentro de uma loja: ele havia saído por conta própria e foi visto por dois garotos, que se aproximaram dele, conversaram com ele e o levaram pela mão para fora do shopping. Quando as autoridades revisaram os filmes das câmeras de segurança, observaram duas crianças de 10 anos, Jon Venables e Robert Thompson, que roubavam vários itens como um boneco troll, baterias e uma lata de tinta azul, que foram encontrados posteriormente com o corpo de James Bulger. Além disso, os dois observavam várias crianças e posteriormente admitiram que naquele dia estavam procurando uma criança para raptar e jogar na frente de um carro.
Os garotos andaram quatro kilometros com James, ao longo de um canal, parando apenas para espancá-lo no rosto e cabeça. Durante sua caminhada, os garotos foram vistos por 38 pessoas, que notaram claramente que James estava a sofrer, mas os meninos mentiram que ele era seu irmão e o estavam levando para casa. Eventualmente eles chegaram a uma linha de trem onde atacaram o menino: eles cobriram seu rosto de tinta azul, chutaram-no, jogaram tijolos, pedras e uma barra de ferro de 10kg em sua cabeça. Colocaram as baterias em sua boca e ânus e o deixaram. O patologista do caso disse no tribunal que James sofreu tantas fraturas e feridas, que era impossível identificar qual delas causou sua morte.
Antes de partir, os meninos deitaram o corpo de Bulger sobre a linha do trem e colocaram sua cabeça para baixo com pesos, na esperança de que um trem faria seu corpo desaparecer ou que a morte parecesse acidental. O corpo de James foi descoberto em 14 de Fevereiro.
Rapidamente a polícia identificou os garotos com ajuda das imagens do circuito interno do shopping. Venables e Thompson foram presos e como o crime causou comoção no país, a polícia divulgou as fotos dos dois. A divulgação causou choque na imprensa mundial, devido à tenra idade dos criminosos. Eles foram condenados pelo assassinato em 24 de novembro de 1993, tornando-se os assassinos mais jovens da história inglesa.
Os dois foram levados a um centro para criminosos juvenis e lá permaneceram até fazerem 18 anos. Embora no tribunal eles tenham sido condenados a uma pena perpétua (lifetime sentence), eles apelaram ao Tribunal Europeu e foram soltos, com pena suspensa, quando completaram a maioridade em 2002. Eles cumpriram 8 anos no centro juvenil e nunca passaram um dia em uma prisão para adultos. Para os que vivem no Brasil, pena suspensa na Europa ocorre quando a pessoa cumpre em regime aberto, mas fica proibida de certas atitudes e tem sempre de dar notícias a oficiais de justiça encarregados de seu caso.
Quando os dois foram soltos houve comoção novamente no Reino Unido, devido à gravidade e requintes de crueldade do crime. Para garantir a segurança do par, o governo gastou cerca de 1 milhão de libras para criar nova identidade, cartão de finanças (ou CPF), novos passaportes, garantia de emprego por toda vida para evitar que eles recaíssem na vida de crimes, eles foram impedidos de se encontrarem ou de voltarem à cidade onde cometeram o crime. Os jornais trazem diversos depoimentos dos oficiais que trabalharam com a dupla e dizem que nunca, nenhum dos dois, mostrou qualquer ressentimento ou culpa pelo ocorrido.
O caso voltou à mídia pois Jon Venables (que era visto como o menos cruel da dupla, dependente do outro menino) foi preso na semana passada acusado de possuir pornografia infantil grau 4 (numa escala de 1 a 5 onde 5 é o mais grave). A população está revoltada e exige conhecer sua nova identidade e clama que o governo foi leniente ao libertá-los tão cedo, que um crime tão grave deveria ter sido obrigatoriamente cumprido em prisão fechada.
A infância de Jon Venables
Em 1991, quando Jon tinha 7 anos, seus professores começaram a notar seu comportamento de busca de atenção: ele balançava sua carteira escolar, enquanto segurava na mesa, gemendo e fazendo barulhos estranhos. A professora o mudou para a frente da sala, onde poderia mantê-lo sobre vigilância, mas ele passou a jogar no chão objetos da sua mesa. Até então, a violência em Jon era auto-infligida: ele batia sua cabeça contra móveis, paredes e jogava-se no chão. Cortava-se com tesouras e rasgava suas roupas por nada. Às vezes ele destruia trabalhos de arte de seus coleguinhas e jogava objetos neles. A professora escreveu em suas anotações que seu comportamento tornava-se cada vez mais violento: certa vez ele aproximou-se por trás de outra criança e tentou sufocá-la com uma régua. Foram necessários dois adultos para separá-lo do outro menino e logo após ele foi tranferido para outra escola.
Em casa, o pai estava quase sempre desempregado. Jon era filho do meio e sentia-se ignorado, espremido entre duas crianças com problemas de desenvolvimento, que precisavam de cuidados especiais. Seus pais tinham um relacionamento tumultuado, sempre terminando e voltando. A casa estava sempre em pandemônio. Ambos os pais tinham história de depressão crônica e a mãe de Jon era dada a ataques histéricos e abusava física e verbalmente dele. Quando muito estressada, a mãe o mandava para a casa do pai, incapaz de lidar com o filho. Desde os 7 anos, os sinais de comportamento antissocial já estavam presentes: ele odiava as crianças da vizinhança, que tiravam sarro dele e de seus irmãos problemáticos. Além disso Jon apresentava estrabismo, o que lhe tornava um alvo fácil para as gozações das outras crianças.
Devido aos seus problemas na escola, Jon foi reprovado e foi então que conheceu outro menino que também havia sido reprovado: Robert Thompson. Assim que eles se conheceram, de criança que sofria com gozações, Jon passou a ser o bully. Eles passaram também a faltar às aulas e andar pela cidade. Os professores notaram que eles traziam à tona o que havia de pior na personalidade do outro. Jon era bagunceiro e violento e Robert era quieto, mas mentiroso e manipulador.
Quando passava o tempo na casa do pai, Jon assistia muitos filmes de terror que seu pai alugava. Jon gostava de filmes de Karate e fez desenhos sobre o filme Halloween. Entretanto, um filme específico parece ter influenciado mais que os outros: Brinquedo Assassino 3 (no Brasil ) ou Chucky 3: O Boneco Diabólico (em Portugal) (Child's Play 3)
Neste filme, a alma de um serial killer habita um boneco chamado Chucky. O boneco (mais ou menos do tamanho de James Bulger) mata diversas pessoas mas no final é morto em uma montanha russa/trem fantasma. Enquanto os heróis tentam matar o boneco, Chucky é desmembrado e tem tinta azul jogada em seu rosto. No dia do rapto e assassinato em questão, foi Jon que levou James pela mão e ele parecia ser o dominante, mentindo para os adultos que tentaram intervir. Ao que parece , eles viam James como um boneco (e o fato de terem colocado baterias em seu ânus parece dar crédito a esta teoria). É comum em análise de crimes observar uma desumanização da vítima. Encará-la como um boneco é uma forma de objetificá-la e torná-la apenas um veículo para o prazer do perpretador, ao invés de reconhecê-la como um ser humano com nome, desejos, sonhos e família.
A forma como a justiça lidou com o crime e o comportamento de Jon Venables durante sua estadia no Centro Juvenil só agora vieram completamente à tona. E vejo paralelos com outro crime chocante, este ocorrido no Brasil.
Em 2007, João Hélio, de 6 anos, estava com a mãe e a irmã em um carro quando bandidos os cercaram para roubar o veículo. A mãe e a irmã saíram do carro, mas João Hélio ficou preso pelo cinto de segurança do lado de fora. Ezequiel Toledo de Lima, então com 16 anos, viu que o menino estava preso mas riu-se. Os bandidos arrancaram com o carro e dirigiram por 5 quilômetros, com João Hélio sendo arrastado pelas ruas do Rio de Janeiro. Diversas pessoas interviram e disseram que havia uma criança pendurada do lado de fora do carro, mas Ezequiel ria-se e respondia que era apenas um boneco de Judas (novamente o boneco).
Todos foram presos e condenados. Ezequiel cumpriu 3 anos de medida sócio-educativa e no momento a justiça brasileira está a decidir se ele continua em regime semi-aberto ou se deve receber nova identidade para protegê-lo de represálias através do Programa de Proteção às Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM). A sociedade brasileira está espantada com a leniência da justiça. Ao que parece, Ezequiel ainda participou de 2 rebeliões enquanto esteve detido, feriu um funcionário do centro e matou um policial.
Se os meninos do caso Bulger tinham apenas 10 anos e um deles mesmo assim reincidiu (gravemente), que espera a justiça brasileira no caso de Ezequiel? Como lidar com criminosos que apresentam psicopatia grave?
Referência:
True Crime Library http://www.trutv.com/library/crime/notorious_murders/young/bulger/8.html
Fotos:
Complexo de Édipo: http://morandonaamerica.com/wp-content/uploads/2009/09/Oedipuspaint.jpg
Hospital Psiquiátrico: esse cartoon é meu mesmo. Eu o vi em algum lugar (uma palestra talvez) e não consegui o achar no google, então desenhei por mim mesma. Peço desculpas aos artistas se vos ofendi.
James Bulger: http://en.wikipedia.org/wiki/File:James_bulger.jpg
Jon Venables e Robert Thompson: http://www.theage.com.au/ffximage/2004/11/28/29n_ven,0.jpg
http://www.dailymail.co.uk/news/article-1256190/Revealed-The-horror-drawing-Jon-Venables-weeks-killed-James-Bulger.html
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Childsplay3.jpg
Muitos já torceram o nariz ao ler só o primeiro parágrafo. Explico: a teoria psicanalítica já teve seu lugar na Psiquiatria, mas como não tem validação científica (i.e., não existe um experimento que prove/disprove suas teorias pois elas são de certa forma únicas e pessoais e hoje vivemos a psiquiatria da generalização, da estatística das massas) ela tem sido progressivamente deixada de lado. Longe de levantar a bandeira de que toda a teoria psicanalítica é válida em todas as situações, acredito que é um instrumento afiado do arsenal psiquiátrico já que fornece hipóteses e teorias sobre o desenvolvimento humano.
Acredito que quase todo mundo pelo menos ouviu falar do Complexo de Édipo. De forma muito, mas muito simplista, vou explicar: O Complexo de Édipo ocorre mais ou menos aos 5 anos de idade (seja para meninos ou meninas, mas vou falar sobre os meninos pois é mais fácil de entender). Quando o bebê nasce, mãe e bebê se tornam um binômio, praticamente inseparáveis e o pai fica meio de lado (já notaram que todas as visitas são para mãe e bebê, todos os presentes?). Esta situação perdura até mais ou menos os 5 anos de idade da criança quando o pai cansa deste amor platônico do menino pela mãe e finalmente diz: "Chega! Tua cama é aquela, você não dorme aqui e a mulher é minha e não sua!" (Claro que em sentido figurado). O papel do pai é extremamente importante no Édipo pois ele é o portador da Lei, ou seja: ele traz a censura, o que é certo e errado e regras para a criança seguir.
Se tudo correr bem, a criança entende que o pai é maior que ela e teme pela sua integridade, obedecendo-o e indo para sua cama, resolvendo seu amor pela mãe e crescendo de forma saudável. Esse é o resultado neurótico, o resultado esperado do conflito edipiano (que acontece para a grande maioria de nós). Segundo as teorias psicanalíticas, pacientes psicóticos nem mesmo chegam a esta etapa e vivem em um estado de fusão com a mãe (o binômio nunca foi quebrado) e daí sua dificuldade em estabelecer sua identidade e limites.
Mas o que me interessa aqui hoje nesta teoria é a formação do psicopata:
Na teoria psicanalítica, o psicopata também passa pelo complexo de Édipo. Ele também quer a mãe só para si e nutre amor por ela (como nos outros casos). O pai chega então para trazer a lei: "vá para a tua cama, etc, etc.". A criança entende que o pai é a lei, reconhece a existência da lei e o obedece. Até aqui tudo bem. Entretanto, o psicopata tem uma "mãe sedutora", que assim que o pai vira as costas vai até o quarto da criança e a busca de volta a sua cama a dizer "o pai saiu, não está em casa... o que ele não vê não lhe magoa" (claro que tudo aqui em sentido figurado!). Ou seja: na formação desta criança ela aprende que existe a lei, aprende que existem represálias se a lei for descumprida, mas aprende também que existem recompensas pelo descumprimento da lei, que ela pode fazer o que quiser quando o pai (Lei/sociedade) não estiver olhando.
E isso é muito importante: um psicopata não é um psicótico que obedece cegamente às alucinações e mata alguém porque acredita cegamente no que as alucinações lhes dizem. Um psicopata é uma pessoa aparentemente normal, que sabe o que é certo e errado mas sabe que o descumprimento das leis leva a gratificações. Uma pessoa de base neurótica (a maioria de nós), se faz algo de errado, não dorme à noite. Pode ser que durma no começo, mas em 20 anos a culpa chega e ou ela encontra religião, ou muda para Índia para ser Hindu ou desenvolve alguns transtornos mentais, etc... Um psicopata não tem culpa. Após cometer os crimes mais atrozes, ele dorme perfeitamente feliz porque a culpa, que é aprendida no Complexo de Édipo (e daí a importância do pai) foi lhe negada. E sem culpa, as leis de nada valhem.
Não pense que um psicopata é apenas um serial killer. Existem diversos graus de psicopatia e muito provavelmente você conhece ou trabalha com um. Os graus mais leves vemos em empresas, por exemplo, nas quais um funcionário faz o que for possível para subir na vida, pise em quem pisar, cause as demissões quer for para atingir seus objetivos. Os graus mais severos conhecemos pelos filmes de Hollywood.
O que quero que o leitor entenda, é que isso tudo são TEORIAS e não verdades absolutas. Já há muito que a psiquiatria abandonou a velha noção de que tudo são culpas dos pais. Esta explicação é uma alegoria para que o leitor identifique os passos de negação e punição da história que vou descrever a seguir (e também possa entender melhor o post "Receita para criar psicopatas I")
O assassinato de James Bulger
Os leitores mais velhos provavelmente se lembrarão deste crime, pois lembro de tê-lo visto no Jornal Nacional em 1993. O assassinato de James Bulger voltou à midia inglesa recentemente e encontro paralelos com outro crime brasileiro que descreverei na conclusão.
James Bulger era um menino inglês de 2 anos que estava com sua mãe em um shopping center e desapareceu em 12 de novembro de 1993. Denise, sua mãe, notou que James desaparecera de dentro de uma loja: ele havia saído por conta própria e foi visto por dois garotos, que se aproximaram dele, conversaram com ele e o levaram pela mão para fora do shopping. Quando as autoridades revisaram os filmes das câmeras de segurança, observaram duas crianças de 10 anos, Jon Venables e Robert Thompson, que roubavam vários itens como um boneco troll, baterias e uma lata de tinta azul, que foram encontrados posteriormente com o corpo de James Bulger. Além disso, os dois observavam várias crianças e posteriormente admitiram que naquele dia estavam procurando uma criança para raptar e jogar na frente de um carro.
Os garotos andaram quatro kilometros com James, ao longo de um canal, parando apenas para espancá-lo no rosto e cabeça. Durante sua caminhada, os garotos foram vistos por 38 pessoas, que notaram claramente que James estava a sofrer, mas os meninos mentiram que ele era seu irmão e o estavam levando para casa. Eventualmente eles chegaram a uma linha de trem onde atacaram o menino: eles cobriram seu rosto de tinta azul, chutaram-no, jogaram tijolos, pedras e uma barra de ferro de 10kg em sua cabeça. Colocaram as baterias em sua boca e ânus e o deixaram. O patologista do caso disse no tribunal que James sofreu tantas fraturas e feridas, que era impossível identificar qual delas causou sua morte.
Antes de partir, os meninos deitaram o corpo de Bulger sobre a linha do trem e colocaram sua cabeça para baixo com pesos, na esperança de que um trem faria seu corpo desaparecer ou que a morte parecesse acidental. O corpo de James foi descoberto em 14 de Fevereiro.
Rapidamente a polícia identificou os garotos com ajuda das imagens do circuito interno do shopping. Venables e Thompson foram presos e como o crime causou comoção no país, a polícia divulgou as fotos dos dois. A divulgação causou choque na imprensa mundial, devido à tenra idade dos criminosos. Eles foram condenados pelo assassinato em 24 de novembro de 1993, tornando-se os assassinos mais jovens da história inglesa.
Os dois foram levados a um centro para criminosos juvenis e lá permaneceram até fazerem 18 anos. Embora no tribunal eles tenham sido condenados a uma pena perpétua (lifetime sentence), eles apelaram ao Tribunal Europeu e foram soltos, com pena suspensa, quando completaram a maioridade em 2002. Eles cumpriram 8 anos no centro juvenil e nunca passaram um dia em uma prisão para adultos. Para os que vivem no Brasil, pena suspensa na Europa ocorre quando a pessoa cumpre em regime aberto, mas fica proibida de certas atitudes e tem sempre de dar notícias a oficiais de justiça encarregados de seu caso.
Quando os dois foram soltos houve comoção novamente no Reino Unido, devido à gravidade e requintes de crueldade do crime. Para garantir a segurança do par, o governo gastou cerca de 1 milhão de libras para criar nova identidade, cartão de finanças (ou CPF), novos passaportes, garantia de emprego por toda vida para evitar que eles recaíssem na vida de crimes, eles foram impedidos de se encontrarem ou de voltarem à cidade onde cometeram o crime. Os jornais trazem diversos depoimentos dos oficiais que trabalharam com a dupla e dizem que nunca, nenhum dos dois, mostrou qualquer ressentimento ou culpa pelo ocorrido.
O caso voltou à mídia pois Jon Venables (que era visto como o menos cruel da dupla, dependente do outro menino) foi preso na semana passada acusado de possuir pornografia infantil grau 4 (numa escala de 1 a 5 onde 5 é o mais grave). A população está revoltada e exige conhecer sua nova identidade e clama que o governo foi leniente ao libertá-los tão cedo, que um crime tão grave deveria ter sido obrigatoriamente cumprido em prisão fechada.
A infância de Jon Venables
Em 1991, quando Jon tinha 7 anos, seus professores começaram a notar seu comportamento de busca de atenção: ele balançava sua carteira escolar, enquanto segurava na mesa, gemendo e fazendo barulhos estranhos. A professora o mudou para a frente da sala, onde poderia mantê-lo sobre vigilância, mas ele passou a jogar no chão objetos da sua mesa. Até então, a violência em Jon era auto-infligida: ele batia sua cabeça contra móveis, paredes e jogava-se no chão. Cortava-se com tesouras e rasgava suas roupas por nada. Às vezes ele destruia trabalhos de arte de seus coleguinhas e jogava objetos neles. A professora escreveu em suas anotações que seu comportamento tornava-se cada vez mais violento: certa vez ele aproximou-se por trás de outra criança e tentou sufocá-la com uma régua. Foram necessários dois adultos para separá-lo do outro menino e logo após ele foi tranferido para outra escola.
Em casa, o pai estava quase sempre desempregado. Jon era filho do meio e sentia-se ignorado, espremido entre duas crianças com problemas de desenvolvimento, que precisavam de cuidados especiais. Seus pais tinham um relacionamento tumultuado, sempre terminando e voltando. A casa estava sempre em pandemônio. Ambos os pais tinham história de depressão crônica e a mãe de Jon era dada a ataques histéricos e abusava física e verbalmente dele. Quando muito estressada, a mãe o mandava para a casa do pai, incapaz de lidar com o filho. Desde os 7 anos, os sinais de comportamento antissocial já estavam presentes: ele odiava as crianças da vizinhança, que tiravam sarro dele e de seus irmãos problemáticos. Além disso Jon apresentava estrabismo, o que lhe tornava um alvo fácil para as gozações das outras crianças.
Devido aos seus problemas na escola, Jon foi reprovado e foi então que conheceu outro menino que também havia sido reprovado: Robert Thompson. Assim que eles se conheceram, de criança que sofria com gozações, Jon passou a ser o bully. Eles passaram também a faltar às aulas e andar pela cidade. Os professores notaram que eles traziam à tona o que havia de pior na personalidade do outro. Jon era bagunceiro e violento e Robert era quieto, mas mentiroso e manipulador.
Neste filme, a alma de um serial killer habita um boneco chamado Chucky. O boneco (mais ou menos do tamanho de James Bulger) mata diversas pessoas mas no final é morto em uma montanha russa/trem fantasma. Enquanto os heróis tentam matar o boneco, Chucky é desmembrado e tem tinta azul jogada em seu rosto. No dia do rapto e assassinato em questão, foi Jon que levou James pela mão e ele parecia ser o dominante, mentindo para os adultos que tentaram intervir. Ao que parece , eles viam James como um boneco (e o fato de terem colocado baterias em seu ânus parece dar crédito a esta teoria). É comum em análise de crimes observar uma desumanização da vítima. Encará-la como um boneco é uma forma de objetificá-la e torná-la apenas um veículo para o prazer do perpretador, ao invés de reconhecê-la como um ser humano com nome, desejos, sonhos e família.
A forma como a justiça lidou com o crime e o comportamento de Jon Venables durante sua estadia no Centro Juvenil só agora vieram completamente à tona. E vejo paralelos com outro crime chocante, este ocorrido no Brasil.
Em 2007, João Hélio, de 6 anos, estava com a mãe e a irmã em um carro quando bandidos os cercaram para roubar o veículo. A mãe e a irmã saíram do carro, mas João Hélio ficou preso pelo cinto de segurança do lado de fora. Ezequiel Toledo de Lima, então com 16 anos, viu que o menino estava preso mas riu-se. Os bandidos arrancaram com o carro e dirigiram por 5 quilômetros, com João Hélio sendo arrastado pelas ruas do Rio de Janeiro. Diversas pessoas interviram e disseram que havia uma criança pendurada do lado de fora do carro, mas Ezequiel ria-se e respondia que era apenas um boneco de Judas (novamente o boneco).
Todos foram presos e condenados. Ezequiel cumpriu 3 anos de medida sócio-educativa e no momento a justiça brasileira está a decidir se ele continua em regime semi-aberto ou se deve receber nova identidade para protegê-lo de represálias através do Programa de Proteção às Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM). A sociedade brasileira está espantada com a leniência da justiça. Ao que parece, Ezequiel ainda participou de 2 rebeliões enquanto esteve detido, feriu um funcionário do centro e matou um policial.
Se os meninos do caso Bulger tinham apenas 10 anos e um deles mesmo assim reincidiu (gravemente), que espera a justiça brasileira no caso de Ezequiel? Como lidar com criminosos que apresentam psicopatia grave?
Referência:
True Crime Library http://www.trutv.com/library/crime/notorious_murders/young/bulger/8.html
Fotos:
Complexo de Édipo: http://morandonaamerica.com/wp-content/uploads/2009/09/Oedipuspaint.jpg
Hospital Psiquiátrico: esse cartoon é meu mesmo. Eu o vi em algum lugar (uma palestra talvez) e não consegui o achar no google, então desenhei por mim mesma. Peço desculpas aos artistas se vos ofendi.
James Bulger: http://en.wikipedia.org/wiki/File:James_bulger.jpg
Jon Venables e Robert Thompson: http://www.theage.com.au/ffximage/2004/11/28/29n_ven,0.jpg
http://www.dailymail.co.uk/news/article-1256190/Revealed-The-horror-drawing-Jon-Venables-weeks-killed-James-Bulger.html
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Childsplay3.jpg
Marcadores: anti-social, psicodinâmica e psicanálise, psicopatologia, psiquiatria da infância e adolescência, psiquiatria forense, transtornos de personalidade
7 Comentários:
Ola Luis
Fique a vontade para copiar, transcrever, adaptar, etc.
A explicação da mãe sedutora é uma das teorias, mas como disse anteriormente, não é para ser levada em sentido literal. É uma metáfora de como a criança aprende que quebrar a lei pode trazer recompensas se ela não for pega. Pode ser a mãe sedutora, o pai, a negligência familiar, qualquer fator que crie a situação em que a lei é reconhecida como sendo feita para ser quebrada.
Por isso coloquei o cartoon do elevador do hospital psiquiátrico logo abaixo. É apenas em sentido figurado!
Com os melhores cumprimentos
Ola Luis, lembrei-me de um exemplo (real) sobre a mae sedutora:
No caso em questao, esta mulher é avó de uma criança de 9 anos. Pois esta criança estava a brincar no consultório (a avó era a paciente) e tive que sair rapidamente para atender uma urgência.
Quando voltei, terminei a consulta normalmente e quando as duas foram-se embora notei que um oftalmoscópio que estava em cima da mesa havia sido quebrado. Ele estava perfeitamente normal até a consulta pois eu o tinha utilizado no paciente anterior (por isso estava em cima da mesa) e quando voltei, o oftalmoscópio estava colocado de forma estranha em sua caixinha e quebrado. Uma enfermeira que passou pela sala viu a criança a brincar com o instrumento enquanto estive fora. O instrumento caiu, quebrou-se e, ao invés de a avó assumir que a criança o quebrou ao brincar, o guardou como se nada tivesse acontecido. Essa avó neste dia ensinou à criança que o que ela fez estava errado (quebrar o instrumento) mas ao invés de assumir as consequencias a avó lhe mostrou como burlar e enganar, ao fingir que nada tinha acontecido. Percebes o papel da "mãe sedutora" na história? Que valores essa crianca nao esta a receber em casa?
O Reino Unido é assustador no que toca a este tipo de crimes, por exemplo, Mary Bell, considerada a serial killer mais nova de sempre, nem tinha 11 anos quando matou 2 crianças. É algo pavoroso.
E quanto a isso dos psicopatas, pelo que sei apenas uma percentagem muito mínima é que chega realmente a matar, se todos os seres humanos que são psicopatas matassem provavelmente estaríamos todos mortos, e cada vez mais as sociedades evoluem no sentido de criar psicopatas, pelo que em conversa com amigos antropólogos eu tenho entendido, serial killers são por norma "produtos" de sociedades alienadas e grandes urbanizações.
Achei este post verdadeiramente interessante, violento e gráfico na discrição do que aconteceu com o famoso assassinato do pequeno James, mas necessário.
Quanto ao comentário no meu blog, mil obrigadas e se puder por favor me esclareça uma duvida (quando tiver tempo e se possível no meu blog, ou se achar mais apropriado aqui mesmo)No blog que indicou tinha lá a seguinte frase "Em mania talvez o que se tem de comum a ambas as doenças (tab e boderline), tem haver com o mal-estar, ou seja, sobre os efeitos fisícos que são experimentados quando o organismo está sofrendo alterações químicas etc."
Estas alterações tem a ver com o mau estar físico e por vezes estados de confusão mental inexplicáveis que acontecem do nado e vão embora do mesmo jeito? É a isso que a frase se refere?
Eu sei que em linguagem assim muito leiga o TPL é um transtorno da personalidade ao contrário do Bipolar que é do humor, eu costumo dizer que há algo no meu cérebro que não funciona normalmente e tem de ser educado, mas para isso eu tenho de ter consciência de e claro estar medicada (isto desagrada-me profundamente).
Respondido no seu blog, ok?
Olá! muito bom o seu artigo!
Só gostaria de corrigir, que o pequeno James Bulger desapareceu no dia 12 de fevereiro, e não no dia 12 de novembro, e seu corpo só foi encontrado quase uma semana depois.
Abraço,
Negreiros.
Obrigada pela correção!
Vou referenciar.
Bom post.
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