terça-feira, 24 de novembro de 2009

GRAVIDOREXIA – Passando fome por dois


Gravidorexia não é uma palavra. Eu adaptei a expressão do inglês “pregorexia”, outra não palavra, criada recentemente com a única finalidade de se entender o fenômeno de algumas gravidezes e pós-partos atuais. Ela serve para descrever o distúrbio no qual mulheres da Europa, Estados Unidos e Japão se exercitam e fazem dietas extremas às custas da saúde do bebê. Infelizmente um número cada vez maior de pobres mortais tem tentado emular as esposas de jogadores de futebol ou estrelas de cinema, que se mostram determinadas a manter o corpo magérrimo em um período no qual deveriam relaxar.

A gravidorexia tem estado cada vez mais em evidência devido às mamães célebres e famosas com barriguinhas perfeitas, como Nicole Kidman em 2008 e Nicole Richie em 2007 e neste ano, que se assustam com a palavra calorias e sacrificam-se em regimes de exercícios durante toda a gravidez. Nestes casos, o objetivo não é perder o peso o mais rápido possível mas nem mesmo ganhá-lo desde o princípio.

Transtornos alimentares podem surgir a qualquer momento na vida da mulher e a gravidez, com a ansiedade e mudanças hormonais típicas do período, pode causar por si só ou agravar um quadro de anorexia ou bulimia. Estas mulheres necessitam de tratamento especializado e terapia. O que se tem observado no caso da gravidorexia, entretanto, não é exatamente um cluster de pacientes mas uma moda, como tantas outras, que pode trazer prejuízos à mulher e ao bebê.

Um bebê busca no corpo da mãe os nutrientes que necessita. Se as reservas da mãe estão baixas, pode haver problemas como anemia, depleção de cálcio (responsável pela formação dos ossos) e risco de se dar à luz a um bebê de baixo peso, que pode levar a problemas futuros para a criança como doenças cardíacas, depressão e retardo do desenvolvimento cognitivo.

A gravidorexia é um fenômeno que está a ser alimentado pela crescente indústria da “moda da maternidade”. Enquanto nossas mães desapareciam felizes e alegres sob roupas de grávidas largas e confortáveis nos anos sessenta e setenta, as grávidas de hoje vêem a sua disposição uma enorme opção de escolha desde desenhos de estilistas famosos a roupas que rapidamente os copiam nas lojas de classe média.

Além das gravidoréxicas típicas, um fenômeno similar está a acontecer após o nascimento do bebê. Mulheres desesperadas para recuperar suas figuras pedem, ou por lipoaspirações no mesmo tempo cirúrgico da cesariana, ou entram em rotinas extenuantes de exercícios e dietas no pós-parto. Nos EUA uma entrevista recente com a apresentadora de TV Liz Fraser causou polêmica: Fraser, que estava ao vivo para promover seu novo livro “Yummy Mummy”, que trata de mães que rapidamente perdem o peso após o parto para ficarem “mamães gostosas” admitiu que sofreu de um transtorno alimentar durante a gestação. Diversos telespectadores protestaram contra o que consideraram “hipocrisia” ao se tentar vender um livro que na verdade divulgava sua doença.

Independentemente do motivo por trás da divulgação da moda das “mamães gostosas”, esta é uma moda cruel na formação da nova família. O leite materno é altamente influenciado pela qualidade da alimentação da mãe. Mulheres que fazem dietas radicais e estão a amamentar consequentemente fazem com que seus bebês também sofram. Mesmo para aquelas que optaram por não amamentar seus bebês (apesar de todas as indicações médicas atuais que sublinham a amamentação como a melhor opção para mães e bebês), a rotina de exercícios físicos extenuantes aos quais as mulheres se impõem pode prevenir a criação de laços de afeto com os recém-nascidos. Ao invés da mamãe descansar e dedicar seu tempo ao bebê, ou ela está na academia com o personal trainner, ou cansada e irritada devido ao baixo aporte calórico.

A lista de celebridades a povoar as capas de revistas mostrando seu corpo enxuto até dez dias após dar a luz continua a crescer. Especialistas ainda debatem se as gravidoréxicas e “mamães gostosas” estão a aumentar devido à divulgação extensa por parte da mídia e das revistas de fofocas. Sabe-se que este fenômeno ocorre com anoréxicas e bulímicas, que usam fotos de celebridades e modelos magérrimas como gatilho e estímulo para iniciar ou manter seus comportamentos. Ainda é cedo para se afirmar o mesmo em relação às grávidas. Entretanto, há razões para suspeiras: nunca a indústria do culto à celebridade e à “fama pela fama” foi tão forte e esta tendência coincide com a atual mentalidade da dieta e boa forma a todo custo. A moda dos bebês acessórios (que preferencialmente devem estar vestidos com a última moda em Paris, e combinar com o esquema de cores da roupa da mamãe) objetifica o recém-nascido e torna mais fácil a ruptura do laço afetivo pela busca narcísica da beleza exterior o mais rápido possível. O bebê passa a ser mais uma engrenagem na maquinaria consumista atual.

Como médica, devo concluir dizendo que a questão do peso e da vaidade devem, como quase tudo na vida, estar em equilíbrio. Todos os conselhos médicos válidos até hoje sobre o assunto, sejam em grávidas, crianças ou outros proclamam a perda de peso lenta e regular associada a exercícios físicos moderados e diários como a opção mais saudável. Dietas da moda, dietas rápidas ou planos de exercícios que mais parecem uma sessão de tortura medieval não trazem prazer e podem causar consequências graves à saúde. Retornando às celebridades que mais estimulam os comportamentos descritos neste texto, Nicole Richie (filha do cantor Lionel Richie e queridinha das fashionistas e da indústria do emagrecimento) esteve na mídia neste ano não só por não adquirir peso ideal na gravidez mas por perder todo o peso extra em duas semanas após o parto (9kg em 14 dias). Há menos de dez dias Richie esteve novamente na capa dos jornais, desta vez por ter sido hospitalizada com uma grave pneumonia. A infecção (típica em adultos imunodeprimidos) pode não ter nada a ver com seu emagrecimento súbito ou seu constante estado subnutrido. Mas o princípio lógico da Navalha de Ockham, aprendido nos primeiros anos do curso de medicina, nos diz que “a explicação mais simples é sempre a mais lógica”.


Nicole Richie no pós parto (à esquerda) e grávida de seu segundo filho

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2 Comentários:

Anonymous Teka disse...

Gostei da definição "gravidorexia" para as mulheres que ainda experimentam dietas durante a gravidez!

Parabéns pela postagem!

Farei um Ping para a minha página na web!

Beijo!

20 de fevereiro de 2010 às 15:30  
Blogger Vanessa disse...

Obrigada. Penso que dissecar e divulgar estas "modas" prejudiciais a saude 'e a melhor maneira de combate-las e aprecio o seu ping!

Com os melhores cumprimentos

20 de fevereiro de 2010 às 19:32  

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