quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A terceirização da maternidade

Este post é de autoria de Tata, autora e colaboradora do blog "Mamíferas", que discute assuntos da maternidade.

Muito embora não seja específico da psiquiatria, o post dela trata da família e comportamento, temas que sempre permeiam qualquer discussão sobre o comportamento e mente humanos.

O blog é excelente e recomendo a visita, pois discute desde o incentivo ao parto normal (de preferência ao parto natural) e à amamentação.

A terceirização da maternidade

No último domingo, jantando em um restaurante para comemorar o aniversário do marido, me espantei com o número de famílias com uma composição estranha: mãe + pai + bebê (com idades que variavam de poucos meses até uns três anos) + babá.


A cada nova família que chegava, eu ficava mais incomodada. O casal sempre vinha na frente, às vezes conversando entre si, outras vezes nem isso. Logo atrás, vinha a babá, com a criança no colo, ou segura pela mão. A criança nunca vinha com a mãe, com o pai. Sempre com a babá, que na maioria das vezes vestia branco e não merecia dos patrões sequer um "por favor" ou "obrigado", quando solicitada.

Juro que tento, mas não consigo entender essa nova ordem familiar, tão comum nos dias de hoje. Contratar uma babá para estar com a criança enquanto trabalhamos, ou precisamos nos ocupar de outras coisas, eu posso compreender. Eu mesma, no primeiro ano das minhas filhas mais velhas, tive em casa uma senhora, de toda confiança e que até hoje trabalha conosco - mas hoje cuida da casa, e não das meninas - , para me ajudar com elas, quando eu saía para ir à faculdade, ou para que pudesse me concentrar em algum trabalho. Mas era isso, uma ajuda para os momentos em que eu não podia me dedicar inteiramente a elas. Uma ajuda esporádica, não uma presença constante.

A situação me lembrou uma conversa que acompanhei em uma lista de discussão, uns três anos atrás, e que me causou a mesma estranheza: o debate se dava entre mães que discutiam como lidar com a "babá folguista". A babá folguista, termo que eu desconhecia e que aprendi o que significa nessa discussão, é a babá que trabalha quando a outra folga. Finais de semana, feriados, férias. Nesses momentos, a babá folguista ocupa o lugar da 'oficial'.

'E quando esses pais ficam com seus filhos?', vocês se perguntam. E eu respondo: não ficam. São pais que levam babás e cuidadores sempre à tiracolo, seja no dia-a-dia de obrigações cotidianas, seja nos momentos de descanso e lazer. São pais que curtem o almoço sem pressa no restaurante que custa os olhos da cara, enquanto a babá 'folguista' distrai a criança na área de recreação. São mães que ficam em casa, ou vão fazer as unhas e a escova da semana, enquanto as babás levam as crianças para 'socializar' no playground do condomínio, ou na pracinha mais próxima.


Nessa discussão que citei, lembro de ter ouvido um argumento que me deixou, sem exageros, horrorizada. Era uma mãe dizendo que não vivia sem babá folguista, porque queria ter alguém pra fazer o "trabalho sujo". O tal 'trabalho sujo', para ela, era dar banho, dar comida, trocar fraldas, colocar para dormir. Não pude evitar pensar para quê uma pessoa assim decide ter um filho.

Ter filhos, para mim, não é apenas a parte 'glamourosa'. Não é escolher a roupinha mais bonita, o sapato novo da marca A ou B, levar na festinha e aparecer bonita na foto. A relação com nossos filhotes se faz no dia-a-dia, e se fortalece nas dificuldades. Nas noites sem dormir, no cansaço imenso ao final de cada dia, nos momentos de dúvida, de questionamento. Ter filhos não é cor-de-rosa, não é comercial de margarina. Mas não é pra ser.

Ter alguém para ajudar aqui e ali é uma coisa, é legítimo e eu compreendo. Mas o que vejo é algo bem diferente. Vejo mães e pais que não conhecem seus filhos, que perguntam às babás de que eles gostam e como preferem isso ou aquilo. Vejo mães e pais que, sem a triangulação da relação, não sabem lidar com seus filhos, e se vêem paralisados diante das dificuldades. Vejo mães e pais passando procuração, terceirizando a criação de suas crianças, deixando que eles cresçam à sua revelia, sem conhecê-los, sem criar laços.

Acho tudo isso muito, muito triste. Porque se de um lado estão os pais e mães, perdidos em suas próprias rotinas, dificuldades e compromissos inadiáveis, de outro lado estão pequenas criaturas, inocentes e entregues, ávidas por um amor intenso e inteiro, incondicional como só uma mãe e um pai podem oferecer. E o vazio que se estabelece é imenso, e talvez irreversível.

Olho pelas minhas pequenas, e reconheço a beleza da nossa relação. Que não é perfeita, mas é inteira, e é nossa. Construída a quatro mãos, dia após dia. Seja como for, errando aqui e ali, corrigindo a rota de vez em quando, caminhamos juntas.

No final das contas, talvez seja isso o mais importante: estar junto, tropeçando, caindo de vez em quando, quebrando a cara, seguindo em frente e rindo de tudo no final das contas. Mas junto.

***Para finalizar:

A autora citou a importância da triangulação no desenvolvimento da criança. Ela não é psicóloga ou psiquiatra mas compreendeu a importância da família nuclear no desenvolvimento psicológico na infância. Lógico que, dentro do possível, a família nuclear, com o Édipo ou Electra adequadamente resolvidos é o melhor que se pode esperar na criação do filho\a.
Um outro post descreve isso de forma mais precisa.

Marcadores: , ,

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial